Os anos 30 parecem ter despertado nos produtores de antanho uma atenção quanto ao exótico, fazendo com que esse ganhasse a tela em vários filmes. Posso citar de memória, sem pensar muito, “Horizonte Perdido”, “O Último Chá do General Yen”, Beau Geste, “Marrocos”, “As Aventuras de Marco Polo”, “King Kong”,”Ela” (de um dos artífices de King Kong)”O Expresso de Xangai”, “Terra dos Deuses”, “Delírios de um Sábio” e “Gunga Din”. Dentro desse universo podemos inserir essa obra baseada nos escritos célebres que faziam sucesso a época. Baseada, mas não fiel a mesma. Trata-se, no entanto de algo novo que merece respeito e atenção. O Tarzan dessa série difere muito daquele criado por Edgar Rice Burroughs. Fincou-se o do cinema, no imaginário popular, como um bom selvagem. Eu a época um piá (nos fins de semana, mas um trabalhador durante a semana) corria ao cinema para assistir repetidamente esses filmes. Quantas sessões, quantos cines que não mais existem? Ficaram guardados, contudo em minha memória essas matinês cheias de encanto.
Logicamente que a proposta da obra não encantaria Rousseau na sua proposta de retorno a natureza. Por outro lado, visto hoje distanciadamente, percebemos o poder de transgressão trazido pelo filme em temas delicados a época (Sexualidade, Materialismo, Religião, Igualitarismo) sempre colocada de forma sutil, despertando, no entanto o olhar dos censores que ser fariam sentir dois anos depois.
Inútil falar de algo que virou lenda e todo mundo conhece. Falemos do que a indústria cinematográfica possuía a época e que permitiria tornar crível a história já conhecida. Era necessário possuir de utensílios e ferramentas que tornassem real o ambiente que se iria retratar. Já a época a incrustação de fundos e a mobilidade das câmeras permitiam de proezas suscetíveis de oferecer um espetáculo inédito ao espectador. A montagem alternava cenas filmadas em estúdio e grandes panoramas nascidos de mergulhos em campos abertos e selvagens em lugares geográficos ignotos. As cenas tinham um caráter mais documental. E os estúdios sabiam tornar coerente a existência em um mesmo plano de estrelas americanas e autóctones graças e esse inteligente processo de incrustação que criou vários momentos de magia na era de ouro do cinema.
Logicamente que os locais retratados nessas produções criavam alguns paraísos artificiais sem nenhuma preocupação etnológica. Não se tinha interesse em desvendar de forma sociológica as crenças e os costumes. Todos eram considerados lugares ameaçadores ou misteriosos e seus habitantes bárbaros. De resto um retorno a natureza primeira onde o homem sobreviveria em perfeita harmonia com o ambiente que o cercava e os animais eram mostrados como tendo atitudes mais confiáveis dos que aqueles supostos companheiros da civilização. Essa filosofia de uma grande ingenuidade se colocava em oposição aos fantasmas de uma sociedade capitalista que passava por uma grande crise financeira a época do lançamento do filme. Ameaças a sobrevivência e a liberdade do homem, relegado pelo desemprego, a ser um produto descartável nas grandes metrópoles. Era deliciosa aquelas horas em que se podiam ver refletidos em um mundo que lhe soava bem menos ameaçador e ideal do que o da realidade em que viviam.
O que mais encanta vendo hoje esse filme é que percebemos o que tanto causou interesse a época. O afrouxamento de certas regras morais e da sexualidade em relação a forma de se apresentar o corpo humano. Tarzan surgia em trajes mínimos, o local onde vivia não carecia de regras morais, religiosas e o que importava era manter-se vivo. Esse selvagem encarnado por um atleta em forma chocava e encantava. E Jane surge nesse ambiente (de maneira velada) é convidada a se deixar levar pelos seus impulsos mais íntimos. A barreira, mesma a da língua, mostra-se tênue, nesse local. E surgem cenas plenas de sensualidade a beira do rio, desaguando em um estado de plenitude sexual e existencial no meio da mata.
Infelizmente a presença da censura se faria presente na série e os filmes cada vez mais iriam se tornando mais assexuado. Por outro lado o estúdio colocaria de novos interesses no cenário, dando um espaço maior para os companheiros do casal (bichos de estimação), um garoto adotado e participações como coadjuvante de artista de renome. Ainda assim as obras continuarão sendo um divertimento de primeira linha para aquela geração da qual fiz parte. E demorará muito para que os filmes da série declinem. Contudo a liberalização do corpo humano como algo natural demoraria longo tempo a retornar as telas dos cinemas. Pena que isso tenha vindo de maneira chula e inapropriada muitas vezes. Parece que os cineastas não se deixaram comover pelas lições expostas nesse filme.
Preciso conhecer. Texto interessante.