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Críticas

Cineplayers

Atendendo a demanda.

5,5

Diretor de uma série de clássicos mais recentes de Hollywood que fizeram a festa da infância e da juventude dos anos oitenta e noventa, como a trilogia De Volta Para o Futuro, Uma Cilada Para Roger Rabbit (Who Framed Roger Rabbit, 1988) e Forrest Gump – O Contador de Histórias (Forrest Gump, 1994), Robert Zemeckis é um nome que andava bem pouco presente na mídia. Seu último grande hit, de fato, pode ser considerado o já distante Náufrago (Cast Away, 2000). Eis que agora ele aposta em O Voo (Flight, 2012), um projeto bem mais modesto para seus padrões – apesar de o catalisador da trama ser uma daquelas sequências opulentas e caríssimas do cinema industrial norte-americano.

Com um orçamento consideravelmente menor do que os seus últimos filmes – os tecnicamente arrojados devido à utilização da captura de movimentos A Lenda de Beowulf (Beowulf, 2007) e Os Fantasmas de Scrooge (A Christmas Carol, 2009), a obra de Zemeckis, indicada aos Oscar de Melhor Ator e Melhor Roteiro Original, aposta num tom mais adulto e intimista, onde vemos a história de Whip Whitaker, um piloto de avião viciado em drogas e alcool que, ao voar alterado em um avião defeituoso, acaba salvando a vida da maior parte dos passageiros ao pilotar de forma pouco usual: de 102 pessoas a bordo, 96 sobrevivem.

Após essa construção inicial, o filme se transforma em uma história de queda e ascensão do piloto: o persoangem de Denzel, mesmo após uma tomada de consciência inicial, acaba tendo uma violenta recaída, experenciando como é afastar as pessoas ao seu redor, tanto a ex-mulher quanto o filho, quanto seu novo laço afetivo, uma ex-viciada em heroína vivida por Kelly Reilly. A abordagem de Zemeckis é um tanto disforme, por vezes apostando em uma certa dose de humor negro e cinismo - como a utilização do rock setentista na trilha sonora ou do hilário traficante de John Goodman - e o melodrama formulaico e água-com-açúcar que tantos atribuem ser práxis da indústria norte-americana e da Academia.

Um dos temas favoritos do grande público, os contos de superação desovados na indústria todo ano – é só olhar um pouco para trás e exemplos não vão faltar -  são uma demanda quase tradicional entre os filmes de grande orçamento e O Voo faz pouco para fugir disso; é uma história clara, que trata de temas pesados de forma apaixonada e dedicada – a pathos exigida nas histórias produzidas sob esse contexto acabam aprisionando um filme que abrira de forma um tanto espetacular em justamente o contrário disso: planos gerais, planos próximos e contraplanos convencionais, unidades cromáticas progressivamente mais pesadas à medida que a dependência e decadência do protagonista progride, além de uma eventual troca de músicas de rock, soul e blues utilizadas em um contexto irônico para a música incidental pesada, dramática e que praticamente parece exigir as lágrimas do seu espectador, de autoria de Alan Silvestri.

De fato, entre toda aquela geração apadrinhada por Spielberg, Zemeckis provou em vários de seus filmes mais famosos seu domínio sem igual dessa forma de narrativa. Porém, não é demais admitir de que o conformismo e a falta de ousadia em matéria de linguagem é tanta que acaba criando uma sensação sem igual de mesmice que reflete até mesmo no tratamento da temática do filme: mesmo representando o alcoolismo no seu lado patético e melancólico, o diretor especializado no tratamento ingênuo de temas  (e que fazia pleno sentido no universo adolescente e absurdo de De Volta Para o Futuro, na comicidade dos desenhos animados de Roger Rabbit ou na pureza de Forrest Gump) acaba criando no geral, um filme limpo e “light”, onde, por maior que seja o buraco onde o protagonista se mete, há sempre uma transformação e uma luz no fim do túnel a um gesto de  distância.

Como não poderia deixar de ser, O Voo, como boa afirmação de espíritos livres e fortes, não perde a chance de ter um discurso didático ao seu final, em uma transição de uma atitude à outra pouco natural: devido à abordagem confusa e a exterorização didática do conflito que ainda precisa se desenvolver até os minutos finais do filme, Zemeckis encerra sua obra quase que de forma obrigada, criando um clímax que surge de supetão e transforma seu personagem em definitivo – e at relações exploradas em menos de cinco minutos das quase duas horas e vinte do filme têm de voltar. O Voo, no final das contas, é um novo e cansativo esforço de um regime estético já cansado, sonora e visualmente castrado e previsível, feito para suprir a mesma lacuna de todo ano. Em momento algum O Voo transparece falta de talento ou coisa assim – mas sobra a falta de ousadia, o medo do inusitado, a preferência pelo óbvio.

Comentários (14)

Tom Ripley | sexta-feira, 22 de Março de 2013 - 19:12

Denzel Washington garante patamar elevado a qualquer produção, realmente o homem é um ator de grandes recursos dramáticos! É interessante ver como em algumas cenas pequenas o ator transmite toda uma carga emocional em um simples olhar, esplêndido!
Os trejeitos que ele imprimiu no personagem, o sorriso depois da primeira "cheirada" dentro do quarto antes da entrevista, dá para sentir na pele o prazer do personagem saciando seu vício ou chegando bêbado na casa da ex-esposa, na medida certa sem exageros... as cenas maiores nem precisa comentar, enfim, diante de uma interpretação magnífica fica difícil criticar algum pormenor do filme!

Agora, quando o autor da resenha diz algo assim: "melodrama formulaico e água-com-açúcar", água-com-açúcar? O filme coloca a perspectiva de auto-avaliação de um homem alcoólatra e as consequências do seu vício e a luta que é enfrentar qualquer tipo de vício. A crítica perdeu a credibilidade ou a expressão 'melodrama água com açúcar' mudou de significado!

Tom Ripley | sexta-feira, 22 de Março de 2013 - 19:15

Se o filme tivesse terminado com ele mentindo no final, ainda assim não poderia ser classificado como 'melodrama' (neste caso o personagem teria um final feliz escapando da sua responsabilidade), independente do fator acidente, regras são regras, eu não entraria em um avião ou ônibus de viagem se soubesse que o condutor tinha bebido e cheirado, horas antes!
Entende-se o fator 'água com açúcar' quando o diretor tentar forçar emoção em uma situação irrisória ou patética, não vi nada disto no filme!
Na vida real é difícil acreditar que o personagem não optaria pelo caminho mais fácil, porém não é impossível que o ser humano tenha a capacidade de superação, seja qual for a situação e quanto ao fato do final ser didático, se o final fosse diferente o filme seria imoral por que passaria a impressão de que se pode quebrar as regras e sair-se bem no final, certo? Logo, no quesito final do filme seria ruim de qualquer jeito para o resenhista? Ou transmitir uma mensagem imoral é melhor!?!

Alexandre Marcello de Figueiredo | sábado, 15 de Junho de 2013 - 19:22

O cara salvou 96 pessoas e mesmo assim foi condenado só por causa da bebida e das drogas. Gostei do final.

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