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Vôo Noturno

(The Night Flier, 1997)
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Críticas

Cineplayers

Tabloide imundo dos sanguessugas

7,5

Aqui uma fita decente transposta de material original do lendário mestre da literatura de horror Stephen King. Numa visão que propõe o assombro perambular estipulando mais um esquema de funcionalidade do vampirismo. Curtições tanto da mitologia dos chupadores de sangue quanto da literatura de King em seus percalços do gênero e seus personagens adoecendo com direito a uma sugestão podre do poder da escrita jornalística.

Filme avança com calma, horrorificando aos poucos. Esquema tradicional. Personagem avisado pra ter cuidado e a tensão vem a crescer, e claro que o protagonista vai desobedecer. Grosso modo existe um piloto voando por aí com suspeitas de sair estraçalhando e matando geral, e dois jornalistas saem em busca de uma matéria de capa para um tabloide qualquer. A emulação narrativa aqui tem a primazia em imitar a estrutura de um conto de horror propriamente dito, dando descrições e mistério entrecortando com os perseguidores do monstro querendo um lugar ao Sol (que trocadilho escroto) que mantenha/ alavanque suas respectivas carreiras. Por isso a escolha é acertada em manter as aparências nas escondidas, vendendo a mitificação de um suposto destroçador de corpos que vai vender muitos jornais. Nos causando uma vontade de saber como tudo aquilo vai se fechar.

Corroborando a isso temos o trato com as imagens. Material soturno. Que seja levado em consideração o baixo orçamento pra fita televisiva, que se dribla bem nestas questões, principalmente no ótimo trabalho de efeitos práticos da KNB Effects Group de Robert Kurtzman, Greg Nicotero e Howard Berger, onde compõem muito bem o visual macabro de seu vampirão e o esfacelamento carnal que ele causa. Tudo de forma crescente e bem arrumada, encaixando com a proposta de horror homeopático proposto aqui. Com uma sebosidade imunda na qual seu odor quase sai propriamente da tela. A podridão que rivaliza com o trato nada lisonjeiro ao jornalismo pilantro-investigativo.

Marotismo sensacionalista. A dupla de jornalistas trabalha em um folhetim baixo nível carniça. O esquema sujo completo; da invasão às cenas de crimes, o interpelar grosseiro sobre testemunhas e o avacalho da profanação de túmulos. Tudo pela matéria. Há um comentário frontal acerca dos usos e abusos que se cometem na busca da notícia. Quão mais acachapante a matéria, sua metodologia mais escrota deve ser. É um caminho que se trilhado traz alguns louros da suja fama, assim como introjeta um cercamento de absoluta desgraça e solidão naqueles que invocam a imundice. A verdade não existe. Ela é piada. A monstruosidade das tripas e do sangue – e das grandes invenções que abraçam a escrita – interessa pelo quão somos compelidos a buscar expiação do proibido que acalente nossos instintos destrutivos. A aceitação da existência do absurdo como desgraça do cotidiano. Este último que existe para massacrar e que propõe oportunidades para tal. Agarradas mediante o furor pela próxima estória espalhafatosa. 

Qual a jornada desse protagonista (bom personagem do Miguel Ferrer)? Punição? De todos os que ele profanou? A trajetória desta figura é regada com o sucesso porcaria, alcoolismo e uma completa falta de humanidade no processo. As pessoas são somente veículos de fala testemunhais para o intento da próxima notícia. Elas não existem mais como seres com desejos e discursos, mas somente como figuras que vão, mesmo a contragosto, participar de um estratagema obtuso e desumanizador em seu processo, porém que se mostra diametralmente humano por sua existência, afinal, é a porra de um ser humano que criara este caminho. Somos canalhas. E o jornalista-mor aqui é a percepção da nossa curiosidade alimentada e, como tal, ela deve ser acrescida daquilo que for possível para que se aumente o tamanho da jarra de sangue que reiteramos em consumir. A princípio, o fato dele se lascar no final é uma punição por conta dos caminhos escolhidos, mas o uso de sua morte para mais uma notícia é a constatação do continuísmo cínico dos nossos tesões. Somos descartáveis e substituíveis. Basta o próximo aventureiro nos aprontar que viramos manchete de sangue.

Ao fim da fita, e no íntimo imundo de cada um, temos aquela sensação agridoce em ver uns vídeos proibidos com violência embutida neles, que sempre vamos negar gostar e veementemente rechaçamos quaisquer possibilidades elogiosas que existam sobre os próprios. Mas as gerações que foram enganadas – e tiveram tesão nisso – por fitas estarrecedoras que prometiam vídeos de morticínios reais que fizeram sucesso (a maioria falsos) nos anos 70,80 e 90 passaram por estas provações, assim como estes mesmos materiais escusos também alimentados foram por jornalecos que inventavam marmotas para a curiosidade mórbida do entretenimento amoral. Vampiros, lobisomens, chupacabras, alienígenas, e os caralhos. Somos compelidos ao brutal esquisito. O século 21 em sua suposta docilização tenta pregar uma ilusão civilizatória de que não somos mais bárbaros a buscarmos a violência como expiação íntima. Porra nenhuma. A violência ainda vende pra cacete (eu compro um bocado). E o seu consumo está solto na era da informação. A membrana do politicamente correto só encheu o saco e permitiu uma reorganização dos setores. Principalmente diante dum processo que existem peças que acreditam em manchetes sensacionalistas político-econômicas e socioculturais que corroborem com seus tesões internos. Até forçam esta conurbação. Quando não se compele o medo de confrontar estes desejos, eles acabam por existir em busca de defesa duma suposta realidade social vivida – a farsa. O abuso da farsa não sai de moda. Gostamos da enganação. As verdades não possuem graça, ou uma estética de violência que agrade. É seca demais. Crua demais. Documental demais. É mais cômodo simplesmente aceitar a marmota de bom grado pelo pertencimento ao grupo e sim, para se acalentar aquele tesão por desgraça que sempre está por ali, mesmo que seja embalsamado de firulas e exageros. Inquieto, adormecido, mas, jamais morto.

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