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Turbo Kid

(Turbo Kid, 2015)
6,4
Média
14 votos
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Sua nota

Críticas

Cineplayers

Turbo Cinema, Kid Selvageria e Synthwave

8,0

Farra objetiva, acelerada, trash e agressiva calcada em homenagear os anos 80 com vontade. Numa espécie de retrofuturismo oitentista, moldando sua narrativa e estética por sobre o que se pensava 40 anos atrás sobre conjectura sci-fi pós apocalíptica. Num processo em descomedimento. Uma fita com muito tesão em existir capitaneada pelo trio Anouk Whissell, François Simard, Yoann-Karl Whissell; que escrevem e dirigem este negócio.

Parte da estória de um garoto a perambula de bicicleta num mundo devastado onde sua função é catar qualquer coisa de valor nas ruas e lixões para poder trocar por itens outros de sobrevivência como comida e água. E tentando fugir desta orbe destruída através de sua idolatria a um personagem de quadrinhos heroico chamado de Turbo Rider ele segue sonhando. Um sonhador em meio aos sobreviventes de uma puta hecatombe. Nisso acaba por tendo que lidar com uma amiga esquisita sequestrada, um amigo cowboy convencido como mentor, e com um líder autoritário que decide e desmanda o que pode naquelas ermas terras com brutalidade e com o intuito de satisfazer a massa (que não dá umas 20 pessoas por evento – coisas do orçamento miserável disponível) com espetáculos cruéis de grosseria.

universo apresentado é rico a sua maneira. Visualmente objetivo, mostrando bem os espaços (levando-se em consideração a parca grana do negócio), com escolhas de ambientes que reforçam o caráter de abandono daquelas paragens distópicas. É um dos bons trunfos do material. De bares esbagaçados à lixões subdesenvolvidos, com a câmera nos deixando sentir os locais taciturnamente. O estabelecimento destes espaços nos permite adentrar no todo aceitando os abusos provenientes dele e pouco ligando para a suposta simplicidade do roteiro, afinal, o que está em jogo aqui é selvageria da diversão proposta.

Diante desse espaço opressivo – e delicioso – a reação dos personagens frente a problemas obviamente teria de ser uma violência splatter (na verdade já entra no humor escrachado do splastick) desenfreada, nas raias da comédia tamanho sua exorbitância. Lembra materiais como Mendigo com a Escopeta (Hobo with a Shotgun, 2011), e quase chega na ignorância suprema das obras da produtora Necrostorm, tais quais Hotel Inferno (2013) e Adam Chaplin (2011). Esta esculhambação é fartamente vista por técnicas físicas de maquiagem e efeitos práticos em sua massacrante maioria, garantindo um bom espetáculo sangrento. E tudo isto atrelado – sim – à congruência interna do filme. A afetação dele é suplantada desde o nascedouro. Um preparo do porvir do destroço. Uma beleza.

Dentro do serviço referencial de imagens a corroborar agraciamentos aos anos 80 temos a vacância da trilha sonora. O que seria concernente a ocupar este espaço? A banda franco-canadense de música eletrônica retro synthwave Le Matos – dos músicos Jean-Philippe Bernier e Jean-Nicolas Leupi – que inspirada por influências de trilhas e filmes sci-fi/horror dos anos 80 invocadas por mestres tais quais John Carpenter, Vangelis e Tangerine Dream, alopra resgatando os sintetizadores de 40 anos atrás propondo uma aceleração rítmica do processo trazendo assim uma sonoridade musical irresistível à fita. A empolgação sonora se encaixa no percorrer do todo perfeitamente, assim compondo um cenário de tesão por tudo aquilo.

As referências a filmes passados também são tácitas. Desde séries japonesas de super-heróis tais quais Black Kamen Rider (仮面ライダーBLACK, Kamen Raidâ Burakku, 1987 - 1988) e Jiban (機動刑事ジバン Kidō Keiji Jiban, 1989-1990) – no que nos concerne ao combate corporal aqui e ali e nas interferências de bugigangas tecnológicas a rodo, assim como pela narrativa do herói tresloucado que cresce em sua jornada dentro deste espectro estético sci-fi turbinado; fitas que tomaram o gosto do mainstream como O Exterminador do Futuro (Terminator, The, 1984), e Turbo Kid apela nos usos de androides e inteligência artificial e seus malefícios apocalípticos; O Sobrevivente (Running Man, The, 1987) na manutenção da ferocidade para o agrado próprio e das massas;  Mad Max 2 – A Caçada Continua (Mad Max: The Road Warrior, 1981) aqui substituindo os carros envenenados por bikes em ferocidade em asfalto e areia. E são opções estilísticas muito bem casadas dentro da proposta que visa ser de cara um puta tributo ao período indo fundo no tesão e na galhofa que estas mesmas escolhas podem proporcionar.

Diante de toda esta amálgama da fuleiragem aqui disposta o que menos interessa mesmo é um roteiro amarrado por demais. Propositalmente as relações são exageradas e por vezes estúpidas, faz parte do jogo da sedução ao qual abraça esta FITA. No máximo escorrega no ritmo em alguns momentos que poderiam ter sido mais curtos ou melhor ajambrados na montagem, mas nada que atrapalhe a experiência visceral e quase catártica da trajetória de Turbo Kid.

brutalidade sem freios é, de fato, um dos pontos de ebulição mais chamativos do filme. Onde tripas, carne, sangue e fiações robóticas se misturam com naturalidade buscando passarem bem do ponto aceitável que pensado seja. Até onde der o orçamento. E esta já altamente citada violência é um viés de expiação e liberdade para o protagonista que se transforma diante de suas escolhas. A agressividade estupidificante o libera de anseios e esconderijos. O promulga a buscar o que há a mais nesse universo arrasado e que pouco interessa o que diabos encontre (caso não haja porra nenhuma de diferença), o que vale é a sua jornada. Sua liberdade conseguida a ferro e sangue. Turbo Rider. Synthwave. Bicicletas. Robôs Assassinos. Jaulas de Combate. Sangue. Vísceras. Heróis. Anos 80. Saudosismo desenfreado. Turbo Kid.

Comentários (1)

Chcot Daeiou | segunda-feira, 21 de Agosto de 2023 - 23:04

Eu acho esse filme uma pequena obra-prima. Um daqueles filmes pequenos que são uma aula de cinema, pena os diretores não terem repetido o mesmo efeito no filme seguinte, Verão de 84. Turbo Kid, para mim, é a versão canadense pós-apocalíptica do que ocorre no frio país norte-americano, enquanto Melancholia seria a versão dinamarquesa desse apocalipse, Mad Max a versão do que ocorre na Austrália e Bacurau e filmes do Adirley Queirós no Brasil, nessa geopolítica cinematográfica do novo século.

Ted Rafael Araujo Nogueira | segunda-feira, 21 de Agosto de 2023 - 23:36

Com uma visão própria de seus idiossincráticos apelos. Com suas referências a rodo. Tudo muito abertamente. Turbo Kid não é nada rogado em se assumir como produto brutal e influenciado que é. Muito honesto em sua construção. Acho massa demais. Quanto mais filmes abraçarem suas convicções sem freios mais interessantes como cinema podem ser.

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