O texto transforma a imagem em The Climb, primeiro filme longa-metragem dirigido e atuado por Michael Angelo Covino, uma excêntrica comédia sobre dois homens, Mike (o próprio diretor) e Kyle (Kyle Marvin), interpretando personagens homônimos em constantes desacordos. Isso porque Mike dorme com a noiva de Kyle e, a partir daí, transforma toda a sua vida ao contar a informação durante uma saída para praticar ciclismo.
O que logo chama a atenção nessa dramédia que transpira uma ambição de cinema alternativo no tom frívolo das conversas e nas cores saturadas dos cenários e figurinos que lembram um tanto o trabalho de Wes Anderson (Os Excêntricos Tenenbaums) é a forma que esse primeiro longa do diretor já finca um estilo de encenação ao longo da trama: cada sequência é resolvida em um único plano. Em meio a festas, brigas, discussões, desmaios, acidentes e quase desastres, o filme se auto-impõe um desafio de acompanhar o texto entre os atores naquela faixa de tempo sem induzir um único corte, movendo seu interesse de olhar com a câmera.
De alguma forma, a câmera que presencia cenas de sexo durante festas de família ou uma discussão com um motorista aleatório enquanto dois amigos brigam por conta de decepção afetiva reforça o caráter absurdista dessa comédia que, se busca um ritmo de vida nas constantes interrupções que situações verbais transformam o contexto físico dos protagonistas, também acompanha de forma radical a exploração de um homem que sempre decepciona e um homem que sempre perdoa envelhecendo juntos.
O que dá um ritmo cíclico ao filme é justamente uma escolha por elipses e a separação em atos: nunca sabemos o que vem no próximo plano-sequência, mas, de certa forma, sabemos. Sabemos que Mike irá decepcionar Kyle e o mesmo irá eventualmente ser tolerante e caridoso com ele, que parecem se completar de forma cúmplice. Os mesmos Michael e Kyle da vida real devem responder perguntas sobre o quanto o filme reflete a amizade de ambos através da criação de um campo de conflitos básico, mas progressivamente imprevisível; o filme mostra a situação-base sendo levada ao limite, então nunca sabemos que momento escalafobético Covino preparou em seguida.
Mais do que um mero feito estético (mostrar que consegue fazer um filme em plano-sequência, no caso), o interesse de Covino é filmar justamente como se organiza um ritmo de comédia dentro de uma certa organização espacial, e como essa organização pode ser veículo para gags visuais (como Mike dirigindo um caminhão de maneira desgovernada enquanto o resto do elenco assiste, incrédulo), mas também momentos eventualmente tocantes que, através de simples caminhadas nem de longe elaboradas como as piadas, exibe aqueles homens sendo brutalmente sinceros e falhos.
A inventividade formal conjugada com as performances histriônicas e carismáticas de um bro movie do cinema indie tornam compreensíveis os motivos que fez o filme cair nas graças do Un Certain Regard, prêmio destinado a encontrar novas vozes do cinema alternativo: longe do grande cinema industrial americano, ainda se faz cinema que quer testar os próprios limites, as durações de plano, os ritmos de gêneros, os conflitos incontornáveis de gente ordinária. E, com isso, fica difícil resistir a um filme que ri de si mesmo e de sua causalidade circular turbulenta desde o primeiro momento. Mais ou menos como um Estranhos no Paraíso (um filme sobre o nada que seca o conflito ao máximo) às raias do mumblecore (onde tudo é resolvido através dos diálogos típicos da nossa geração), The Climb é um exemplar digno da força do cinema indie norte-americano.
Crítica da cobertura do 21º Festival do Rio
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