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Ethel & Ernest

(Ethel & Ernest, 2016)
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Críticas

Cineplayers

Emoções a dois

7,0

Confesso que sou facilmente seduzido por premissas que partem de um casal apaixonado e culminam em um casamento para toda a vida. Talvez por isso um dos meus gêneros favoritos seja o das comédias românticas ou os dramas nessa mesma verve imbuída de amor. Sentimento tão caro a alguns cineastas, alguns que exploram-no melhor do que outros. Aí vai da dose de sentimentalismo, se é demasiada a ponto de esconder a veracidade de algo que deve vir de dentro e ter um troca mútua.

Ethel & Ernest se encaixa na prateleira dos melhores filmes embalados pelo amor, fidelidade etc. Não por subverter as características mais graúdas e evidentes desse gênero, mas sim por dar cabo de condensar a vida de dois personagens, ambos citados no título da obra, sem perdas significativas no desenvolvimento de ambas as personalidades – fazendo-o num filme bem curto pra isso, com uma duração beirando uma hora e quarenta.

Desde o início percebe-se que o diretor Roger Mainwood descomplica muito do que seria seu filme, caso o fosse rodado com atores e não desenhado à mão. Ele torna mais simplificada, e não simplória, a história de vida de um leiteiro que cortejara uma camareira no início do século XX, naquela Inglaterra pré-guerra. Até por uma lógica questão. Seu filme tem de abarcar também e sobretudo o público mais novo. Há elementos suficientes em Ethel & Ernest para que se faça cativar os pequenos. Mas, alinhadamente, há fatias de sobra para embalar os adultos nessa história, tarefa que a Pixar costuma fazer muito bem obrigado.

Cada público receberá seu agrado aqui, a partir de dois elementos. A singeleza dos tratos da animação e a história verídica que a inspira. Sendo esta a dos pais do escritor/ilustrador/cartunista Raymond Briggs, que criou a graphic novel Ethel and Ernest, publicada pela primeira vez em 1988, por sua vez dando origem a um filme em animação quase 30 anos depois. Pois bem, e o pano de fundo da história de amor entre os pais de Raymond era o de uma Inglaterra mergulhada em incertezas e fortemente ameaçada.

O filme rapidamente estabelece como se deram os primeiros contatos entre Ernest e a doce Ethel, na hábil concepção de cena envolvendo os primeiros encontros e a ida ao cinema. O filme trabalha muito bem os espaços e o tempo, sem que este soe muito acelerado na apresentação dos personagens, ainda que esta ocorra, reitero, de maneira rápida. Aí a história parte para a vida de um casal já maduro, mas ainda com desafios pela frente, como o da criação de um filho.

Não pense, entretanto, que o filme ficará numa cadência lenta de crescimento daquela vida a dois. As coisas progridem sempre rapidamente, numa narrativa que se apropria bem do conceito “slice of life”, acompanhando o cotidiano do casal, da relação com o filho e com o amadurecimento dele, numa coletânea de, digamos, fotografias que ganham vida pelo kinema. Termo oriundo do grego, por sua vez a significar movimento. Também remete ao cinema enquanto exercício de mover algo. Ethel & Ernest é um bom movimento de pequenos retratos de uma vida conjugal, mas evita até demais colocá-la em perigo, criando situações que a abalem.

O que mais sinto falta é de maiores curvas dramáticas, porque, muito embora sinta-se a ameaça tanto das bombas que caem do céu quanto dos inescrupulosos discursos hitlerianos em duelos de microfone com Churchill, estas parecem estar lá mais como um compromisso histórico de relatá-las, a serviço de uma lógica da fidelidade, do que propriamente na forma de um temor dentro daquela narrativa cinematográfica. Falta claramente explorar mais as possibilidades dessas ameaças. Sinto a ausência de ver como esses fatores externos atuam como intempéries na vida individual e compartilhada de um Ernest mais progressista com uma Ethel mais conservadora.

Mas se o filme carece de catarse emocional e profundidade nas personagens (que poderiam ser mais esféricas), ele transborda o casamento como instituição idealizada, mais e mais rara na era contemporânea. O casamento do filme é um sopro para o atual, cada vez menos oxigenado de esperança e cada vez mais caminhando para uma inevitável falibilidade. Ethel & Ernest é uma bela história de resistência amorosa, de permanecer na vida a dois, mesmo quando tudo desmorona em volta. É a prova viva de que, na saúde e na doença, na alegria e na tristeza, há de se viver junto e de ser resiliente.

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