Saltar para o conteúdo

Blindado Mortal

(Battletruck AKA Warlords of the 21st Century, 1982)
4,3
Média
3 votos
?
Sua nota

Críticas

Cineplayers

Carsploitation agarrado nas perseguições de um caminhão blindado

7,0

Imitação barata ferro-velho de Mad Max (Mad Max, 1979) – George Miller – com toques de Encurralado (Duel, 1971) – Steven Spielberg –, aproveitando-se tanto do ozploitation australiano quanto da diversificação geográfica da Nova Zelândia para expor sua canalhice pós-apocalíptica. Recorre a sujeira, ferrugem num carsploitation bem concentrado no caminhão blindado do título e noutros veículos como uma moto escrota e um fusquinha invocado. O roteiro é um fiapo e o ritmo cai várias vezes, mas a movimentação dos veículos e a canastrice de todo o resto funciona bem. Aquela bagaceira de responsabilidade de seu diretor Harley Cokeliss, que assumira que teve de cortar grandes cenas e apressara o término do filme para a data de lançamento. Daí tiramos a qualidade do processo.

O mundo papocou devido a uma crise global de combustível fóssil no que foram chamadas as Oil Wars (Guerras do Petróleo), que transformaram as relações socioeconômicas e fomentaram o caos generalizado. Típico argumento sci-fi distópico desmoronado dos anos 80 – Mad Max 2 - A Caçada Continua (Mad Max 2: Road Warrior, 1981), faz parecido, mas com mais pompa, rispidez e qualidade narrativa naquele prólogo sensacional. Ora, o debate avistado à época eram os conflitos gerados por cacetes no Oriente Médio onde haviam (e, obviamente ainda hão de estar lá) reservas absurdas para extração do petróleo, isto posto ao que se some ainda à crise do petróleo nos anos 70 que engrandecera ainda mais o tom de paranoia frente ao suposto futuro desconhecido. Isto tudo ainda num clima de guerra fria que teimava em continuar, e nada mais justo que o cinema se aproveitasse disso. No filme em questão sobram senhores da guerra, mercenários e figuras outras – escusas ou não – a tentarem sobreviver nesse mundo devastado, buscando ainda o ouro negro como principal fonte de sustento e sobrevivência naquelas paragens. Nisto seguimos o Coronel Jacob Straker (James Wainwright), que perambula regiões desérticas em busca de aditivos de gasolina/diesel enquanto tortura e mata quem embace seus objetivos. Para temperar mais o processo, Coraline (Annie McEnroe) acaba por fugir do controle de Straker e a procura por sobre o combustível agora se metamorfoseia em uma caçada em busca também desta mulher. Retroalimentação para Mad Max - Estrada da Fúria (Mad Max: Fury Road, 2015) muitos anos depois? Era uma tentativa de dar uma pessoalidade a mais na narrativa, que gerasse mais tensão.

O problema é o ritmo, já que o visual bagaceiro chega a dar conta do recado em vários momentos, mas a fita se agarra numa dispersão argumentativa de seus diálogos fugindo do interesse do universo proposto, que são os conflitos e a terra arrasada. A vantagem dialética disso é o texto preguiçoso e sem noção, que hora ou outra, vale a curtição. Mas dorme no ponto por um bom tempo. Tentando compensar isso nas sequências de ação que visam não só preencher as lacunas deixadas, mas serem o carro-chefe deste negócio. A mudança de tom brusca pra cacete diverte em alguns pontos. De pós-apocalíptico poeirento e absorto para uma quase simpática vila de moradores. Diante da diversidade espacial geográfica conhecida da Nova Zelândia, acaba por funcionar sem maiores problemas. Mesmo que boa parte do texto não faça tanto sentido aos mais sensíveis – se estes se sentirem incomodados com as relações sem refino nenhum dos personagens entre si, desde um pai achar normal ter uma relação esquisitamente incestuosa (nada explícito) com a filha que sirva pra enganar o espectador, ou quando perguntas inadequadas com olhares de tesão envolvam a mesma personagem lá na frente sobre o tipo de função social que ela deva exercer (se é solteira e fértil, já que a comunidade precisa procriar; perguntas feitas a ela antes mesmo que a própria trespassasse o portão principal ante sua visita a localidade) numa comunidade fechada a qual cogita fazer parte.

No fim das contas o truque é como mostrar isso tudo com um orçamento reduzido e a produção a toque de caixa. As escolhas primam pela malandragem. Planos de maior duração de helicóptero pra, provavelmente, aproveitar bem uma das poucas diárias do bicho, além do que estes mesmos servem para se ganhar tempo para o alcance da minutagem desejada. E são vários com esta estratégia. Há também as imagens estouradas (escolha ou pura necessidade? Ou ignorância mesmo?), que parecem ter sido filmadas com o Sol a pino. Se fazem os diálogos a causarem um certo desconforto visual para com eles, que se exprimem num meio termo entre charme e falcatrua embalsamada de improviso, mas quando vai pra ação propriamente dita desenfada bem, principalmente na figura do caminhão blindado – que pratica os maiores desmantelos da fita. E sobre os veículos, o baixo orçamento fica mais explícito (e também é um barato por isso), principalmente pelo tipo de adições feitas a eles, como os cromados marmotosos de uma moto. Mas o uso do fusca como carro de sobrevivência apocalíptica encaixa sagazmente, ora porra, que outro carro de mecânica resistente e de fácil construção/manuseio poderia ser criado e resistisse a uma boa pancadaria? O primo pobre do Ford XB Falcon Coupé 1973 da saga Mad Max. E o fusca faz um pequeno estrago (pilotado pelo protagonista avulso Hunter (Michael Beck)), claro que tenhamos a consciência das possibilidades visuais e destrutivas desse material fílmico. A montagem até busca salvar os movimentos dos carros a perambular por sobre o território, com direito a explosões diversas e correrias desordenadas.

O carsploitation acaba sendo a maior justificativa pra assistir esse negócio. Um universo aniquilado e de cores e luzes estouradas, que explora os veículos modificados como mote de sua narrativa como já é de praxe no subgênero do carsploitation citado. É este vício por carros fuleiros numa sociedade distópica mais fuleira ainda que causa vantagem a esse trabalho trash. Sua meia hora final com todo o agito espatifado, empoeirado e desajambrado, completa o clima para quem curte um material bem ordinário que, assim, pode ser deliciado. 

 

Comentários (1)

Rique Mias | sábado, 09 de Setembro de 2023 - 12:54

Carsploitation, essa expressão eu não conhecia...

Ted Rafael Araujo Nogueira | sábado, 09 de Setembro de 2023 - 20:21

Veio no esteio do já sub-sub-gênero exploitation, com algumas derivações com o ozploitation criado na Austrália. É o esquema de exploração das estórias com os carros como ponto central na narrativa.

Faça login para comentar.