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Críticas

Cineplayers

Há História.

9,5

Mais importante do que saber das extravagâncias do ditador romeno Nicolae Ceausescu, precisamos encarar as imagens em Videogramas de uma Revolução, filme-ensaio de Andrei Ujica e Harun Farocki, e delas extrair o fulgor do acontecimento, o presente capturado, a própria História. Com imagens de arquivo, tanto televisivas quanto de filmagens “amadoras”, os diretores buscam recriar a História – a revolução responsável pela queda do ditador romeno - a partir do maior número de pontos de vista possíveis.

Obtemos um panorama complexo do começo da revolução até o seu momento simbólico final – ou seja, a execução de Nicolae Ceausescu e de sua esposa Elena Petrescu. Através de uma narração em off, Farocki e Ujica partem para uma análise do próprio material filmíco, dissecando as imagens para delas elaborar uma visão o mais nuançada possível da revolução, beirando o didático em certos momentos. Para a dupla de cineastas, não parece possível, na era da imagem digital, uma dissociação entre História e imagem, inexistindo uma sem a outra. Georges Didi-Huberman defende uma leitura dialética da imagem, não esperando dela nem a História em sua totalidade, tampouco somente um fragmento do real. Videogramas de uma Revolução, por outro lado, torna a relação entre História e imagem – especificamente a imagem cinematográfica – intrínseca e inescapável, dialogando diretamente com o período em que ocorreu a destituição de Ceausescu. Ou seja, no final dos anos 80, com o advento das câmeras portáteis, possibilitando uma produção audiovisual muito mais democrática. E é justamente essa pluralidade de representações que serve enquanto pilar para a obra.

Por outro lado, os cineastas parecem abrir mão de uma estética mais cerebral e metódica, ausentando momentaneamente a narração do filme, quando há ciência da anarquia e autonomia daqueles momentos. Perde-se o controle da situação - embora, evidentemente, ainda haja o controle da montagem e, pois, uma mise-en-scène. Nesse sentido, Videogramas de uma Revolução se revela especialmente forte quando aposta exatamente na epistomologia das imagens, no que sua forma tem a revelar – as condições de filmagem, as escolhas estéticas dos cinegrafistas, o perigo de chegar mais perto da ação.

Dos momentos sem a intromissão direta do narrador, destaco dois especialmente marcantes e fundamentais. Primeiramente, uma das primeiras sequências da revolução, em que as luzes estão todas apagadas e tudo o que podemos perceber é um incêndio, enquanto o cinegrafista comenta o momento. As vozes da revolução invadem a tela para preencher o escuro, trazer à tona o sentimento de revolta do qual a imagem não consegue dar conta em absoluto. E conferindo um sentido maior à opção de montar o filme a partir de uma linha narrativa bastante linear, o angustiante desfecho, reprodução integral (ao que parece) da última transmissão televisiva de Ceausescu e sua esposa ainda vivos. Dilatando o tempo, Farocki e Ujica deixam rolar ininterruptamente as imagens, encontrando naqueles corpos e rostos frágeis uma possível contradição. Não há necessidade de análise das imagens, seu sentido se basta na própria matéria fílmica.

Há imagem. Há História.

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