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Críticas

Cineplayers

Financiado por fãs, pensado para fãs e vendido para fãs, filme consegue agradar seu público-alvo - mas nada mais.

6,0

Foram apenas três temporadas, mas o bastante para se tornar cult. Exibida de 2004 a 2007, a série Veronica Mars conquistou uma legião de fãs ao longo dos anos, arrecadando após seu término o grande número de seguidores que não teve durante o tempo em que esteve no ar. Criado por Rob Thomas, o programa misturava elementos do noir e do cinema policial com uma típica história de colégio norte-americano, sustentando-se principalmente graças ao carisma e à irreverência de sua heroína, vivida por uma até então desconhecida Kristen Bell, que parecia ter nascido para o papel. Bruscamente encerrada após a terceira temporada, Veronica Mars deixou muitas pontas soltas e, especialmente, um gostinho de quero mais na boca dos fãs, que há anos imploram por um novo ano ou por um filme capaz de selar o destino dos personagens.

A chance veio em 2013, quando foi lançada uma campanha de crowdfunding no Kickstarter, site de financiamento coletivo no qual os próprios usuários doam dinheiro para verem projetos saírem do papel. Os resultados superaram todas as expectativas. Em menos de um mês, os fãs doaram mais de 5,7 milhões de dólares, batendo todos os recordes de arrecadação do site e dando o sinal verde para o início da produção de Veronica Mars – O Filme (Veronica Mars, 2014), quase sete anos após o encerramento da série.

E é possível afirmar sem medo: os fãs, estes seres enlouquecidos capazes de tirar dinheiro do próprio bolso para trazer sua heroína de volta à vida, não ficarão decepcionados com o resultado. Veronica Mars é um filme criado única e exclusivamente para os intitulados marshmallows, e não faz questão nenhuma de esconder isso. Verdade que os dois primeiros minutos trazem uma rápida recapitulação de tudo o que aconteceu anteriormente, para que os novatos não fiquem tão perdidos, mas tudo o que se vê na produção está lá para agradar aos já iniciados, da música-tema cantada por um artista de rua até as incontáveis participações de praticamente todos os personagens da série, nem que apenas por alguns poucos segundos.

Dirigido pelo criador Rob Thomas (que também escreveu o roteiro junto a Diane Ruggiero), Veronica Mars acerta ao fazer a história e os personagens evoluírem em relação à série. Logo nos minutos iniciais, a plateia percebe que a protagonista não é a mesma adolescente genial e intempestiva vista no programa; agora, Veronica é uma mulher formada, com duas faculdades, candidatando-se a uma vaga em um dos maiores escritórios de advocacia de Nova York. A inteligência e a velocidade de raciocínio, como se percebe no decorrer da obra, ainda estão lá, mas o tom de ironia constante e as piadas quase ininterruptas diminuíram, demonstrando claramente um amadurecimento da personagem.

Mas esse crescimento não se limita apenas à protagonista: Logan Echolls, por exemplo, surge muito mais soturno do que antigamente, como se o peso de tanta tragédia tivesse eliminado o sarcasmo e as provocações que foram características do personagem nos anos da série. Da mesma forma, a turma de Veronica, formada especificamente por Wallace e Mac, agora é composta por dois adultos com empregos e responsabilidades, enquanto a própria trama parece deixar para trás as superficiais preocupações juvenis que sempre prejudicam histórias de adolescentes norte-americanos, algo que, por sinal, acontecia com o próprio programa. Só quem parece o mesmo é Dick – o que, na verdade, é exatamente como deveria ser.

Outro acerto de Thomas foi conseguir capturar mais uma vez o sentimento verdadeiro daquele que sempre foi uma das maiores forças da série: o relacionamento entre Veronica e seu pai. Mesmo quando resvalava nas obviedades e nos lugares-comuns em termos de enredo e personagens, a camaradagem entre os dois e as brincadeiras que transmitiam um amor e um respeito genuíno sempre seguravam o espectador e mantinham o norte da série. Por isso, não deixa de ser gratificante perceber que as cenas compartilhadas por Enrico Colantoni e Kristen Bell continuam com este mesmo clima, como se não houvesse passado um só ano desde o final do programa.

E, assim como acontecia antes, é Bell o grande trunfo de Veronica Mars. Na realidade, mesmo com o status alcançado após o seu encerramento, a série sempre foi um programa irregular com uma excelente protagonista, muito graças ao magnetismo de sua atriz principal. Era ela quem salvava a série das historinhas bobas, e aqui, mais uma vez, Bell assume o papel da jovem investigadora com naturalidade e bom humor, sem deixar de lado a inteligência de apresentar a personagem levemente mudada. A Veronica Mars do filme, embora menos incisiva do que em outros tempos, ainda mantém suas características principais, como as respostas espirituosas sempre na ponta da língua, e é um prazer acompanhá-la em suas investigações.

Por outro lado, Jason Dohring surge completamente apagado no papel de Logan Echolls, prejudicado também pelo tratamento dado ao seu personagem, que parece relegado a segundo plano. São poucas as cenas nas quais o ator tem a chance de fazer algo, ainda que, mesmo nestas, Dohring não deixe qualquer impressão – e, sejamos sinceros, ele nunca foi um intérprete de muito talento. Como consequência, um dos principais aspectos da trama de Veronica Mars – o romance entre Logan e a protagonista, que levou o casal a ser apelidado de LoVe pelos fãs – não consegue se sustentar apenas no filme, exigindo do espectador o conhecimento prévio da relação e da história dos personagens, algo que ainda se estende a outros aspectos do filme.

A exemplo do que acontecia na série, o enredo é simplista, bobo e repleto de lugares-comuns. Trata-se de um whodunnit clássico, porém incapaz de despertar qualquer interesse da plateia, uma vez que o foco está na protagonista, não na trama superficial e na revelação do assassino. Como se não bastasse, o roteiro ainda perde tempo com uma apressada história envolvendo corrupção na polícia (que parece apenas uma justificativa para dar a Weevil mais algum tempo em cena) e estrutura-se quase todo sobre clichês, como os policiais que não levam a sério as descobertas de Veronica e – pasmem! – o vilão que, em um momento de inexplicável bom-mocismo, decide contar tudo em detalhes.

Mas a série sempre teve esses deslizes e esperar algo diferente aqui é assistir ao filme com as expectativas erradas. Trata-se de uma produção criada exclusivamente para os fãs, para eles matarem as saudades dos personagens, e Rob Thomas, Kristen Bell e os demais envolvidos oferecem elementos suficientes para essa nostalgia (há espaço até mesmo para um in memorian). Afinal, após a protagonista falar “As pessoas dizem que eu sou um marshmallow” logo no início do filme, nada mais importará para estes fanáticos exceto sorrir ao ver um vazio de sete anos sendo finalmente preenchido.

Comentários (1)

Victor Costa Leite | quinta-feira, 24 de Abril de 2014 - 00:10

Não é uma obra-prima, mas, pelos Deuses, faz você dar um sorriso enorme enquanto assiste!

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