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Críticas

Cineplayers

“Eu me perco em minhas paixões...”

6,0

Conhecedores do cinema de Kar Wai Wong torcerão o nariz para quem analisar seu novo filme, O Grande Mestre (Yut doi Jung si, 2013), dizendo que se não passa de uma bela produção visual. Afinal, o rigor estético sempre foi uma das características definidoras de seu cinema, e até agora sempre bem acompanhado de uma noção multidimensional de tempo e espaço. Mas, infelizmente, não tem como ir muito além dessa definição. Se em outras investidas, esse apuro na cadência das imagens foi potencializado por uma narrativa sólida e inventiva, Wong agora derrapa feio ao entregar uma história irritantemente caótica e mal desenrolada.

A princípio, o que se pode dizer é que se trata de mais um filme contando a vida de Ip Man, o famoso mestre de artes marciais que foi mentor de Bruce Lee. No entanto, é curioso notar que Ip Man (vivido por Tony Chiu Wai Leung) não passa de um detalhe nessa trama, que na verdade gira em torno de Gong Er (Ziyi Zhang), filha de um famoso mentor de kung fu, e seu desejo de vingar a morte de seu pai, que foi executado por um antigo pupilo que tomou o lado dos inimigos. Se o ponto de partida se dá com o entrave entre Ip Man com o pai de Gong, agora que ele conquistou a antipatia do mentor e a paixão da moça, no desenrolar da história nosso protagonista simplesmente vai sumindo e sendo chutado para escanteio, para dar espaço a uma tradicional premissa de vingança típica dos filmes de artes marciais.

O redimensionamento espaço-temporal e o drama de um romance impossível formam o combustível para muitos dos filmes de Kar Wai Wong, que sempre cruzou tudo isso de maneira elegante e orgânica. Em 2046 - Os Segredos do Amor (2046, 2004), por exemplo, o diretor realizou sua experiência mais radical nesse sentido, ao conectar as tramas e os personagens aos seus filmes anteriores, suspendendo toda sua obra numa ação livre da influência do tempo, por meio de borrões coloridos pulsantes capazes de englobar toda a essência de seu cinema através dos mais diversos gêneros. Ou seja, um projeto ambicioso e genial, em que ele cuidadosamente esculpiu o tempo fílmico e o lapidou até formar um grandioso clímax. O mesmo poderia ter sido feito aqui em O Grande Mestre, um filme de gênero que trata em algum momento de um amor impossibilitado de acontecer por conta do destino dos personagens. Mas, diferente de 2046, Kar Wai Wong simplesmente bagunça seu filme em saltos temporais toscos, que revelam os desfechos antes do fim e assim anulam qualquer clímax.

Fora a bagunça da narrativa, o diretor parece ser perder com relação ao seu foco. Depois de um começo tipicamente de um filme de ação de kung fu, cheio de lutas coreografadas, atores suspensos por fios “invisíveis”, e correria incansável, a consistência muda bruscamente para a história de vingança de Gong, para na reta final sofrer outra alteração abrupta e se transformar num drama tristonho sobre um amor platônico, sendo finalizado por uma narração em off expositiva, que se encarrega de mastigas as conclusões para o espectador e lotar a tela de frases de efeito de segunda categoria. Nesse meio tempo, Ip Man vai e volta sem jamais solidificar sua importância na trama, e Kar Wai Wong usa dos recursos estéticos mais rasteiros e bregas, que antes em suas mãos renderam tantos trabalhos de poder imagético deslumbrante.

Ainda assim, O Grande Mestre pode valer por momentos isolados, jamais por sua totalidade desengonçada. A conversa entre Gong e Ip Man na reta final, em que ela revela que foi apaixonada por ele a vida toda, é de uma sensibilidade tocante e o estudo da personagem acaba sendo o grande ponto alto de toda a produção, e daí sobra a ideia de que talvez o diretor tivesse acertado mais se fizesse um filme focado em Gong. Trilha sonora e fotografia finalizam o acabamento e fazem valer pelo menos a experiência com a imagem e o som.

Em dado momento, Gong revela que, apesar de toda sua frieza aparente, ela é uma mulher que se perde em suas paixões. O mesmo talvez possa ser aplicado a Kar Wai Wong em O Grande Mestre. Não tem como negar que há paixão e há vontade por trás de tudo, mas também fica mais do que evidente que o diretor acabou se perdendo em meio a sua ambição. Para quem já tem no currículo filmes de dificílimas realizações, como 2046, Cinzas do Passado (Dung Che Sai Duk, 1994) e Amores Expressos (Chong qing sen lin, 1994), é decepcionante ver que o cineasta tenha errado tanto a mão em um momento em que deveria, teoricamente, se mostrar mais maduro. Claro que para os fãs de Kar Wai Wong isso não afeta sua credibilidade, mas O Grande Mestre pode ser um golpe baixo para os fãs de Ip Man.

Comentários (7)

André Policarpo | sexta-feira, 25 de Abril de 2014 - 08:34

Assisti esse daqui nos cinemas, gostei muito. Adoro o cinema de Kar Wai Wong 😋😋😋

Ravel Macedo | sexta-feira, 25 de Abril de 2014 - 10:52

Foi overdose de poesia, de contemplação...exagerou dessa vez, a propria historia vai se tornando desinteressante aos poucos.

Raphael da Silveira Leite Miguel | segunda-feira, 28 de Abril de 2014 - 19:36

Parece que de bom, o filme só teve com suas indicações ao Oscar, pois tem belo visual, mas falta inspiração. O que fiquei curioso mesmo, é em ver o homônimo de 2008 com Donnie Yen como Ip Man. Aliás, como falado na crítica, esse filme esnobou o Ip e também não podemos deixar de esquecer que tem o Bruce Lee nessa história, também poderia ser explorado.

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