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Críticas

Cineplayers

Um belíssimo drama argentino, mostrando a força do novo cinema latino.

8,0

O cinema argentino está passando por uma fase semelhante ao brasileiro: uma espécie de ressurgimento. O Filho da Noiva foi lançado no país durante o auge da crise econômica por lá, em 2001, e o filme reflete muito bem as características dessa crise em sua história. Confundindo-se entre comédia dramática ou drama cômico, ele possui as doses certas de cada gênero, embora no final das contas eu tenha chorado (não necessariamente estou falando literalmente) mais do que rido ao assistí-lo. Não há como fugir do clima negativista daquela época (hoje já um pouco aliviado, embora o país ainda esteja economicamente fraco), e isso fica bem evidente nos seus personagens, lotados de problemas cotidianos.

Esses tais problemas, comuns também a nós, brasileiros, como falta de dinheiro, um pessimismo para com o futuro que está já fundo nas personalidades das pessoas, aliado a problemas mais pessoais, como divórcio, saúde fraca, enfim, tudo isso dá ao filme traços novelísticos bem aparentes, tanto que em certos momentos me peguei pensando em uma das inúmeras telenovelas baratas, que assolam nossa televisão todos os dias. Só que O Filho da Noiva é um filme tão bem interpretado, com um roteiro tão caprichado (mesmo que trate de assuntos triviais), que tive a certeza de que assisti, talvez, ao melhor capítulo de uma novela da minha vida.

Todos os atores vivem, e demonstram muito bem na tela, as emoções que o roteiro proporciona. E, parafraseando aquele famoso cantor (correndo o risco de parecer tosco a você, leitor), “são tantas emoções”... A estrutura e os elementos do roteiro foram criados para gerar lágrimas no espectador, sempre com o risco de se tornarem demasiados clichês e forçados demais. Mas a habilidade do diretor – para mim o até então desconhecido Campanella – consegue fazer com que esse limite entre o emocionante e o forçadamente emocionante nunca seja quebrado. O filme nunca me soou piegas, e por isso é fácil acompanhar com prazer o desenrolar dos acontecimentos.

Talvez uma sinopse seja necessária (por mim eu escreveria sempre sem citar a sinopse dos filmes, mas se você não tiver assistido a ele, é bom ficar situado – sempre evitando estragar surpresas, é claro): Rafael é um quarentão que separou-se da esposa há três anos, e agora tem uma nova namorada. Também possui uma filha, a quem vai ver sempre que possível, com toda liberdade. Ele é dono de um restaurante, propriedade de sua família há muitos anos, que está passando por uma crise, devido à situação econômica na Argentina. Seu pai, um sujeito engraçado, de bem com a vida, tem um único arrependimento: não ter se permitido casar-se na igreja, por questão de crença (ou falta dela). E ele decide que já está na hora de fazer isso.

O problema é que sua esposa tem Mal de Alzheimer, e mal pode reconhecer sua família. Junto com seu filho, eles devem apressar-se para realizar a cerimônia antes que a doença avance mais ainda. Por fora, ainda há um velho amigo de infância de Rafael, que reencontra-o depois de muito tempo, e começa a demonstrar interesse em sua namorada... Como você deve ter percebido, o filme possui várias pequenas histórias (ainda poderia citar pelo menos mais três), distribuídas entre seus vários personagens. A mesma estrutura de qualquer novela, só que, por ser um filme com apenas pouco mais de duas horas, não há a enrolação e chatices características.

Agora, deixe-me corrigir uma injustiça: o filme não é somente um drama, como posso ter dado a entender dois parágrafos acima. O Filho da Noiva pode ser classificado como uma divertida comédia romântica também. Bem sutil, é verdade, até porque no meio de tantos dramas familiares, abusar do riso poderia ser uma indelicadeza para com o espectador. Mas o diretor mais uma vez prova sua habilidade, ao criar momentos engraçados com situações que se encaixam muito bem no roteiro (Campanella é um dos co-autores do filme), principalmente utilizando-se do seu “clone” de Roberto Begnini, o ator Eduardo Blanco, que possui os mesmos trejeitos e tem aparência física muito parecida com o ator italiano. Ele é o principal responsável pelos momentos engraçados de O Filho da Noiva, mesmo que para isso tenha que chatear os outros personagens durante o filme.

O Filho da Noiva foi indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro em 2002, não somente por seu roteiro agradável, mas também pelas incríveis interpretações de todo o elenco. Não há nenhum ator que esteja mal no filme todo. O elenco demonstra muita determinação e sinceridade, talvez ajudado pela triste realidade da época. Enfim, este é um excelente trabalho artístico, em todos os sentidos, e por isso falei aquilo que falei logo no início. O Filho da Noiva é um dos responsáveis pelo ressurgimento do cinema argentino também (assim como Cidade de Deus foi para o cinema brasileiro), ao lado de outras obras hoje respeitadas no mundo todo, como Nove Rainhas (que infelizmente ainda não tive a oportunidade de assistir). De maneira geral, todo o cinema latino-americano está tendo uma guinada impressionante nesses últimos anos, principalmente com os seus três maiores países: México, Brasil e Argentina.

O Filho da Noiva só não foi uma surpresa para mim porque eu já esperava que fosse um filme de bom gosto e muito bem realizado, principalmente em roteiro e interpretações. De fato, isso acabou acontecendo. Mesmo que não haja nada de extraordinário no filme todo em termos de roteiro, já que sua história simples dificilmente proporcionaria algo desse tamanho, mesmo com o melhor diretor do mundo, o filme é de uma sutileza magnífica. Possui ritmo correto, não ficando carregado demais nem chato demais em momento algum. Espero que mais filmes com essa qualidade possam vir dos nossos vizinhos, e o quanto antes, de preferência.

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