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Críticas

Cineplayers

Investigação e psiquiatria.

7,0

Carlos Gerbase parece nutrir em sua obra um fascínio que reside entre o filme de investigação e as crônicas nostálgicas de seus primeiros tempos como cineasta, nos já distantes anos oitenta. À medida que ele foi envelhecendo a primeira vertente foi se sobrepondo, como que experimentando novos saltos em seus filmes, enquanto que a nostalgia afetiva foi dando lugar (ao mesmo tempo que se preservando num caráter mais secreto e amargo) partindo da antiga idéia de geração, de grupo, dos seus primórdios como realizador, para questões contemporâneas de grande relevância, no caso de Menos Que Nada (idem, 2012), um estudo sobre a loucura e a esquizofrenia. É como um filme de investigação que ele se apresenta, com uma médica, Paula (Branca Messina), analisando e querendo descobrir as causas que levaram um de seus pacientes, o ex-arqueólogo Dante (Felipe Kannenberg), a um comportamento primitivo e de regressão no hospital psiquiátrico onde há dez anos é interno.

A estrutura do filme é fragmentada, dividida em blocos que se desenvolvem de acordo com os depoimentos dos personagens que participaram nos fatos que desencadearam a reclusão de Dante, em torno de mais de um tempo narrativo, e de pontos de vista que ao final se revelarão conflitantes, por misturar a realidade e a fantasia que só existiu na imaginação de Dante. Este se revela um homem assombrado pelas lembranças que guardava adormecidas na memória. O trabalho da psiquiatra obstinada, Paula, se torna uma escavação pelos porões da mente de Dante, que Gerbase pretende estabelecer como paralelo ao trabalho de um arqueólogo, profissão do protagonista, que se envolve numa intriga de descoberta de fosseis raros numa propriedade em construção na região do extremo sul do Brasil, num lugar de propriedade de uma ex-namorada de infância de Dante, Berenice (Maria Manoella), e seu marido ciumento. Aqui deve despontar uma das críticas mais frequentes que se fará ao filme, em relação ao personagem de Ciro, o marido, como caricato e exagerado. Por outro lado, alguns dos melhores momentos de Menos Que Nada, quando é obtido um acesso mais próximo aos atores e o público desenvolve por eles uma empatia tão natural quanto verdadeira, é naquelas conversas de Dante com o seu velho pai, com uma afetividade se criando espontaneamente, se impondo com cenas vivas e verdadeiras, com nuances de gestos e falas.

Uma outra cientista, René (Rosane Mulholland), vinda do centro do país, completa o quadro que definitivamente desestabilizará a cabeça do sujeito. Desde o principio, Dante e René (com seus ares de forasteira) não parecem nunca ocupar o mesmo espaço e partilhar do mesmo mundo, e se o relacionamento deles não convence, é porque condiz com o que o personagem masculino tem de deslocado e com o que a mulher tem de elemento estranho e intrusivo. Gerbase procura experimentar com os limites da representação, nos despistando de tempos em tempos de suas verdadeiras intenções para que elas nos surpreendam sempre um passo mais adiante, construindo situações que parecem ir para um lado, mas seguem para um caminho oposto. Não como um prestidigitador ou para tornar o público (e personagens) alvo de um blefe, mas para compor o estado doentio do protagonista.

As sofisticações de roteiro, entretanto, infelizmente permanecem acima de um interesse que o cineasta pudesse ter por certa sofisticação visual. Gerbase parece apostar a maior parte de suas fichas na construção do roteiro, para na hora de filmar o fazer como um artesão competente, mas sem brilho. Se por um lado essa opção poupa seus filmes de invencionices formais que tanto prejudicam propostas de cinema de autor no Brasil, por outro fazem com que Menos Que Nada careça de recursos estéticos mais definidos, além de uma fotografia digital que remete a uma matriz bem próxima da televisiva (há resultados muito mais eficazes em termos de textura com o digital no cinema contemporâneo).

Ficamos com os dramas e a história de Dante e dos outros personagens na cabeça, e com a vontade de rever o filme, que de fato cresce na revisão, mas sobretudo por causa do talento de Gerbase como escritor e roteirista (e das questões que laboriosamente se preocupou em levantar e reunir na tela), que o seu lado cineasta somente ilustra com as necessidades cênicas básicas. É o conteúdo vencendo a forma, o escritor engolindo o encenador. A grande preocupação do realizador gaúcho é em contar a sua história, o compromisso maior em sua arte é para com o elemento humano. Dessa forma, Gerbase chega ao seu quinto longa-metragem firmando uma carreira sólida em seus princípios e interesses para com o homem e seu cinema.

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