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Críticas

Cineplayers

Vazio e esquemático, Killshot é o thriller policial que não cumpre com nenhuma de suas propostas.

3,5

Killshot - Tiro Certo é um filme policial para o público médio de cinema, que mesmo descaradamente comercial, ainda poderia ter alguma virtude, alguma mensagem em forma velada. Mesmo porque o projeto até tem suas credenciais para despertar interesse: é produção dos irmãos Weinstein, dirigido por John Madden (Shakespeare Apaixonado), e, principalmente, por trazer para as telas o lendário astro Mickey Rourke no papel principal, em pleno retorno de sua carreira, como no recentemente elogiado (e premiado) O Lutador.

Rourke interpreta o assassino de aluguel Armand "Blackbird" Degas, índio mestiço já em decadência em sua carreira no crime, um pária sem destino que vaga pelo mundo carregando a culpa pela a morte de seu irmão mais jovem. Eis que pelo caminho encontra com o rapaz descerebrado Ritchie Nix (Joseph Gordon-Lewitt), bandido de araque que, por lhe trazer a lembrança afetiva do falecido irmão, apega-se a este, embarcando em seus planos criminosos nada recompensatórios. Num deles (um esquema de extorsão de imobiliária), tudo acaba dando errado, e o casal Carmen e Wayne Colson (Diane Lane e Thomas Jane), que presenciou a ação da dupla, acaba sendo perseguido por ela, situação esta que irá descambar para o famigerado e inútil serviço da polícia americana de “programa federal de proteção às testemunhas”. Aqui temos um ponto-chave: seria um filme que faz crítica velada à falência da segurança pública americana?

Outro ponto passível de análise na temática do filme: à medida que os bandidos passam a ameaçar a vida do casal do bem, estes que viviam a crise do casamento, praticamente em processo de divórcio, diante do medo passam a se unir novamente, restabelecendo o matrimônio perante a ameaça externa. Uma ameaça exercida por Rourke e seu irmão postiço, ou seja, por uma parceria que se formou justamente por indicar uma “busca” pelo elo familiar. Com seus personagens à deriva, seria Killshot um filme que traz a luta inerente ao ser humano pela manutenção do núcleo familiar e afetivo? Uma reflexão sobre o medo e as trevas da solidão?

Estes e muitos outros motes e intenções devem ter passado pela cabeça dos realizadores, é claro, senão um projeto dispensável como este sequer teria chegado às telas. Mas o problema reside no fato de que nem estas, nem outras atribuições a que o filme se propõe, são cumpridas de forma satisfatória, deixando tudo no nível raso. O filme peca miseravelmente em todas as suas premissas, infelizmente. Como um filme de ação, é monótono, sem a pegada dos clássicos do gênero. Como um suspense, não desperta interesse na resolução da trama. Como thriller policial, tem argumento pouco envolvente e convincente, sem força narrativa. O personagem do irmão de Rourke, o tal “Ritchie”, é absolutamente banal e caricato, o que piora em momentos onde o diretor pretende extrair comédia deste personagem, em cenas sem efeito cômico.

A perseguição implacável do brutamontes Rourke ao casal em sua residência rural poderia ser sombria, ameaçadora, com requintes diabólicos e apocalípticos, algo como o feito pelo ator Robert Mitchum no clássico absoluto do cinema O Mensageiro do Diabo, de 1955, de Charles Laughton. Mas falta ritmo, falta clima, e falta brilho na atuação de Rourke e Lane. Poderia ter sido melhor explorada a relação entre os personagens dos dois, pelo menos de forma não tão superficial. A presença deles é nostálgica: grandes estrelas do cinema dos anos 80, são parte do elenco de O Selvagem da Motocicleta, memorável filme cult daquela década dirigido por Francis Ford Coppola.

O roteiro também não se salva, e alguns diálogos e falas são risíveis, principalmente as narrações em off do personagem de Rourke, verbetes de sabedoria à la Rambo, cheias de canastrice. O que é uma pena, já que é adaptação de livro de Elmore Leonard, autor que já teve obras vertidas em filme como em O Nome do Jogo, Jackie Brown (de Quentin Tarantino, também com produção dos Weinstein) e Irresistível Paixão. Para não dizer que tudo está perdido, pode-se dizer que a fotografia é não mais do que competente.

Sejam híbridos de ação e policial, ou sejam filmes notoriamente comerciais, não necessariamente estas produções hollywoodianas são ruins. Pelo contrário, se tiverem um caldo, uma força dramática, uma relevância simbólica. Alguns diretores conseguem imprimir algum conteúdo em filmes-produto, na acepção do termo “produto”, algo que Martin Scorsese chamaria de “contrabandistas” - aqueles diretores que conseguem burlar o sistema comercial de Hollywood e levar algum conteúdo aos blockbusters. Em Killshot, tudo é tão nitidamente esquemático, produto de estúdio, sem o menor toque autoral e sem lampejos de criatividade, que não lhe cabe atribuição nenhuma além do que é. Simplesmente, um thriller ruim.

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