4,0
O segundo longa-metragem de ficção de Fellipe Barbosa traz uma emenda curiosa: se a família de Jean, protagonista de Casa Grande, filme anterior do diretor, voltasse à ascensão financeira, ele poderia muito bem ser o Gabriel de Gabriel e a Montanha. Nos créditos iniciais, Barbosa é explícito ao afirmar a homenagem e visão saudosa do amigo falecido em 2009. Porém, se antes a jornada do herói partia de conflitos regulares à adolescência, neste filme os meandros são definidos como material interceptado por necessidades descabidas.
O filme é divido em quatro capítulos, mas segue a estrutura padrão de três partes. Nelas, vemos três abordagens completamente distintas: na primeira, um filme de observação às ações cotidianas do protagonista em viagem à África sobre um pressuposto exotismo – de ambas as partes, de quem filma e de quem é filmado, do protagonista aos coadjuvantes – que entroniza Gabriel como um bom samaritano. Pura liturgia; ele é uma figura carismática e disposta, longe do behaviorismo que virá a seguir.
Surpreende a brusca mudança que é sugerida como parte intrínseca à psique de Gabriel. A verborragia se estende e esbarra de fato em Jean de Casa Grande, um garoto perdido e de valores a serem concretizados. Se vê um homem de dicotomias muito rasas e pouco interessantes na forma expositora. Já a terceira tenta unir esses dois extremos, mas com propostas muito desgastadas.
O filme é justificado como um road movie de simetrias sociais – abrigos, amizades, trocas – como metáfora de uma resistência que em seu pano de fundo esconde perturbações e armadilhas que levaram Gabriel deste plano. Neste ponto é que Gabriel e a Montanha se esvai. É a necessidade não justificada de transformar a persona do protagonista em verbo, de exibir todas as suas hipocrisias e idiossincrasias como suporte maior ao filme – a aventura na África, as memórias de quem conheceu o garoto, o seu romance com Cristina e todos os outros “por quês” que surgem naturalmente com a força do dispositivo e não das palavras, mas sempre repetidas, pois Barbosa se antecipa sempre e as coloca como uma discussão, uma briga, um gesto.
E se a epopeia de Gabriel pela África é uma jornada de autoconhecimento – ou um grande respiro para o que estava por vir -, a Gabriel e a Montanha nada sobrou. Sua força para contemplar é mínima justamente quando o filme necessita disso. No momento em que protagonista e seu atordoado âmago se encontram, suas questões foram diluídas em outras representações, ou seja, o grande momento “cinematográfico” desta narrativa esteve em algum lugar antes de chegar ali. Chega cansada, com a boca seca e olhos ardendo. O visual não é mais o mesmo e o verbo menos ainda. Às vezes menos é mais.
Visto no Festival do Rio 2017.
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