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Críticas

Cineplayers

A paixão pelo ato de fazer cinema.

8,5

Talvez o menos visto de todos os longas dirigidos por Tim Burton seja este Ed Wood, de 1994. Se por um lado costuma geralmente ser apontado por grande parte da crítica como a obra-prima do diretor, por outro não raro é tratado como um filme de exceção ou à parte na sua obra, pois faltaria um toque de bizarria que lhe é peculiar. O que não deixa de ser um equívoco, porque os elementos de estranheza aparecem por todo o filme sem trair a biografia do homenageado nem adulterar o estilo recorrente na filmografia de Burton ─ para citar um exemplo, os protagonistas de Edward Mãos de Tesoura (Edward Scissorhands, 1990) e A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça (Sleepy Hollow, 1999) são tão desajustados quanto o de Ed Wood, o diretor sem muita criatividade que ficaria conhecido pelo dúbio titulo de pior de todos os tempos. O fracasso paira sobre a cabeça de todos eles como um perigo iminente ou possibilidade concreta da qual não conseguirão fugir.

O cineasta decidiu filmar em preto-e-branco a história do diretor dono de uma enorme falta de talento, e o resultado dessa opção estética não apenas remete aos tempos nos quais os fatos transcorrem (os anos cinqüenta) como ao próprio cinema da primeira metade do século XX ─ e isso vale tanto para uma era dos filmes de terror da qual Bela Lugosi (recriado de forma notável por Martin Landau) foi baluarte quanto às baixíssimas produções que Edward Wood Jr. e sua obra viriam a ser sínteses máximas ─ como também auxilia na criação dos tons de fábula de horror incrivelmente engraçada (Ed Wood foi dos filmes cuja visão/revisão mais me despertou gargalhadas recentemente, e nem por isso ele deixa de ser sério e triste). Entretanto, não somente pela fotografia que o filme atinge seus méritos, mas sobretudo ao tratar quase como fábula episódios verídicos e próximos de nossa época, e como paródia figuras fracassadas sem atenuar os seus lados perdedores. Vale dizer que Burton não debocha dessa condição negativa dos personagens, o riso é acompanhado por um olhar terno e carinhoso sobre essas figuras tão humanas e marginalizadas. Não deixamos de vibrar ou torcer por elas mesmo sabendo que suas realizações estão fadadas a um patamar tão pouco digno e aquém do nível que gostariam de alcançar.

Com a sua galeria de tipos bizarros, travestis, viciados, fracassados e decadentes, Ed Wood apresenta um grande número de aberrações em cena, mas com as quais nos enternecemos o tempo todo na tela, e nesse sentido provavelmente seja um dos filmes do cinema contemporâneo que mais se aproxima do clássico Monstros (Freaks, 1932) de Tod Browning. Pois Burton jamais trata alguém com desdém, e se é verdade que em Ed Wood transita por uma dimensão outra daquela pela qual se acostumou a caminhar – mas que, reafirmamos, não se distingue do que fez antes ou viria a realizar depois – o que impulsiona seu filme, aquilo de que ele trata continua o mesmo de sempre: a paixão.

Burton sempre foi um apaixonado por monstros humanos e reais, pelos diferentes e excluídos em relação a uma maioria absoluta e uniformizada, incompreendidos e mal-quistos pelo mundo. Edward Wood Jr. foi um apaixonado em eterna luta contra si mesmo e contra os donos do ramo em Hollywood que tentavam impedi-lo de concretizar a sua arte ou simplesmente o ignoravam, e justamente nesse ponto é que ele acabou se tornando um Orson Welles (como tanto almejava) diante de um sistema que tanto repele um por ser o melhor quanto o outro por ser o pior.

O filme inclusive imagina um diálogo através de um encontro entre Orson Welles (Vincent D’Onofrio) e Ed Wood, forjado pela imaginação deste, em torno das dificuldades com os produtores, das interferências ou desprezo dos estúdios, das condições adversas em geral e frustração de nem sempre conseguir impor o ponto de vista do realizador. Tim Burton fala então não apenas desses dois cineastas tão díspares quanto de si próprio, visto que também sofreu com a falta de liberdade de criação (mais especificamente no primeiro Batman [idem, 1989]) ou com a incompreensão diante de alguns dos seus projetos passados ou futuros. Burton já era um vitorioso dentro da indústria hollywoodiana (e certamente essa posição privilegiada que lhe permitiu rodar Ed Wood do jeito que gostaria), mas sabe que fazer cinema autoral é uma condição com liberdade nem sempre garantida e reservada a muitos poucos. O drama íntimo de Edward Wood Jr. de fazer o que gosta e não agradar a todos é tão particular quanto universal.

Edward Wood Jr. se mostra um visionário, pois não apenas a sua obra seria cultuadissima num tempo futuro como também antecipou décadas antes milhares de outros aspirantes a cineastas que do nada retiram os recursos para materializar seus projetos na tela, por mais trashs que estes se apresentam ou mesmo quando precisam lançar mão de ações picaretas para completar seus filmes. Mas nada disso teria tanto valor em Ed Wood não fosse a maneira com que Burton cinematograficamente conta a trajetória de seu anti-herói e com que cria as suas imagens em narrativa e ritmos tão cativantes, para muito além do fato de serem em preto e brancas, e mais preocupadas em registrar um modo de viver, de pensar e de agir nos personagens. Talvez Ed Wood não seja tanto um filme de exceção na carreira de Tim Burton (como já mencionado no começo), mas sim um filme de exceção em todo o cinema contemporâneo, e ainda assim em perfeito acordo com a trajetória do seu realizador.

Comentários (1)

Cristian Oliveira Bruno | segunda-feira, 25 de Novembro de 2013 - 17:36

Esse filme eu vi em uma festival pequeno em uma praça próximo da minha casa. É um filme muito bonito, feito só para quem gosta de cinema. Como acredito que, quem visita uma página de cinema é apaixonado pela sétima arte, torna-se indispensável para todos aqui, mesmo quem não gostar tanto do filme vai sentir algo diferente ao final. Acreditem.

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