Uma obra-prima atemporal, que superou tantos problemas para escrever o seu nome na história.
"You must remember this..."
É impressionante o fato de Casablanca já ter mais de 60 anos e continuar emocionando. Isso porque os padrões de filmes românticos já mudaram tanto, mas tanto com o passar dos tempos que fica difícil realmente entender porque este filme continua tão maravilhoso. Curioso que, como toda grande produção, este longa passou por inúmeros problemas antes de ser finalizado. Era um roteiro que chegava diferente todos os dias às mãos da equipe, atores apressados para terminar suas participações para, assim, irem filmar outros longas (este era considerado um filme secundário), e por aí vai, em uma lista quase interminável de complicações.
Rick (Humphrey Bogart) é dono de um famoso bar localizado em Casablanca, Marrocos, rota de fuga para quem deseja escapar da Guerra e seguir para a Europa. Ele leva seu negócio com maestria, sem problemas com os guardas e dando a segurança necessária aos seus clientes, tudo embalado pelas mais belas canções tocadas por Sam (Dooley Wilson), seu fiel - e talvez único - amigo. Só que quando um amor muito mal resolvido do passado (Ilsa, vivida por Ingrid Bergman) chega ao seu bar, ele deve decidir se deve ajudá-la ou não a escapar junto com seu importante marido.
Ele é Victor Laszlo, interpretado pelo astro Paul Henreid. Ator famoso na época, só aceitou esse papel 'secundário' em troca do seu nome aparecer no topo do cartaz. Porém, apesar de ser um papel considerado 'secundário' (afinal, a história principal é mesmo entre Rick e Ilsa), sua importância dentro da trama é enorme. Ele é o moinho que faz as águas da história correrem. Por sua causa a história principal acontece; é por sua causa que a vida dos personagens é alterada; é por sua causa que o filme tem a conclusão que tem.
Engraçado que as páginas do roteiro chegavam às mãos dos atores todos os dias, e olha que não estamos falando de George Lucas! Brincadeiras a parte, isso acontecia porque os roteiristas trabalhavam incansavelmente no roteiro, todos os dias, e não tinham um final para a história até pouco tempo antes da seqüência ser filmada. Isso chegava a irritar Ingrid Bergman, que sempre perguntava aos roteiristas: "Por quem eu devo demonstrar mais amor?", e ouvia um "Interprete de forma ambígua. Quando tivermos um final, você vai ser a primeira a saber" em troca.
E não é que deu certo? O resultado é um romantismo de primeira; uma mulher presa ao passado, mas que não consegue deixar de olhar para o futuro. Uma das mais marcantes interpretações da história do cinema, mesmo que Ingrid tratasse esse filme apenas como mais um - ironias a parte, justamente aquele que as pessoas mais lembram nos dias de hoje. Toda vez que tinha uma pausa, durante as filmagens, corria para o telefone para saber como estariam as negociações de sua participação em Por Quem os Sinos Dobram?, que hoje é muito menos conhecido que Casablanca.
Óbvio que Humphrey Bogart não é nenhum galã, mas ao lado de Ingrid Bergman, quem não fica mais charmoso? O homem com mágoas do passado, que deve decidir por um grande amor ou uma causa maior para todos é, sem dúvidas, sua melhor performance nas telas. Basta comparar sua interpretação com as inúmeras refilmagens e adaptações para a TV - nenhum outro ator conseguiu sentir o cheiro da poeira de Bogart. O que deixou Rick imortalizado foi o seu humor ácido e o jeito cafajeste de tratar a tudo e a todos, mas sem nunca parecer arrogante ou antipático. É a mais perfeita escola de anti-heróis de Hollywood.
Outro personagem interessantíssimo e que tem grande presença no longa é o Capitão Renault. Suas cenas são engraçadas, revoltantes, e mostram bem como tudo funcionava em Casablanca. Conrad Veidt (do bacaninha O Homem que Ri) faz uma pequena participação como o Major Strasser, e Sydney Greenstreet aparece como Signor Ferrari. Nomes que fortaleceram a obra, mesmo que ela não precisasse de nada disso para ser grande.
Mesmo com tanta alteração e indecisão no roteiro, é impressionante o número de diálogos inteligentíssimos e no tempo certo do longa. Quem nunca ouviu falar de "Estou de olho em você, garota" e inúmeras outras passagens do longa? É uma mistureba deliciosa de ação, policial, drama e, a mais marcante de todas as características, o romance. Um 'eu te amo' não soa piegas por aqui. É o amor à moda antiga, embalado e digerido da melhor forma possível, mesmo tanto tempo depois. Um filme que poderia estar datado, afinal, se passa durante a Segunda Guerra Mundial. Mas ao invés de se concentrar na época, os personagens apenas a vivem, então sua atemporalidade está nas ações, e não no ambiente.
Como era um filme menor do estúdio, Casablanca viveu grandes problemas, principalmente na parte orçamentária. Tudo tirado de letra por Michael Curtiz, que nunca foi tão bem assim com atores, mas como técnico, não havia outro diretor igual. Seus impressionantes movimentos de câmera, somados à uma fotografia linda que aumenta de forma bastante expressiva o contraste entre preto e branco, tornam tudo ainda mais inesquecível. O que dizer da última seqüência, feita com um avião de madeira e anões, para dar escala ao cenário, sem nunca transparecer aos olhos do público? Ele realmente era um gênio, e o seu modo de resolver os problemas junto à produção é um exemplo até os dias de hoje.
Como falei, fica difícil entender porque Casablanca continua tão bom, mesmo com o passar de tantos anos. Talvez pelos personagens marcantes, pelos diálogos inesquecíveis, pelo romantismo constante, pela parte técnica inigualável... O leque de opções está aberto, cabe apenas a você decidir qual das opções lhe parece mais conveniente. Sinceramente? A decisão pouco vai importar, afinal, Casablanca é eternamente apaixonante como um todo.
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