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Críticas

Cineplayers

Ainda que ambicioso e original, novo filme de Joe Wright peca na construção dos personagens e da história.

5,5

Bastaram apenas dois filmes para que o britânico Joe Wright passasse a ser considerado, se não um dos melhores, um dos mais promissores cineastas a surgir nesse início de século. A promessa, no entanto, não se sustentou por muito tempo. Se Orgulho e Preconceito (Pride and Prejudice, 2005) e Desejo e Reparação (Atonement, 2007) demonstraram sua capacidade de oferecer uma abordagem original e moderna a dramas históricos, Wright pareceu não saber o que fazer ao conduzir histórias passadas nos tempos atuais: tanto o O Solista (The Soloist, 2009) quanto Hanna (idem, 2009) apresentaram narrativas no mínimo confusas sobre o que realmente pretendiam dizer, em filmes que prometiam mais do que entregavam.

Anna Karenina (idem, 2012), nova adaptação do clássico romance de Tolstói, já levado inúmeras vezes ao cinema, é a tentativa do cineasta de retomar o prestígio alcançado em seus trabalhos iniciais, principalmente por retornar ao universo de época que inicialmente o destacou. É uma pena, portanto, constatar que, por mais a produção deixe bastante claro o fato de que Joe Wright se trata de um cineasta talentoso, ambicioso e corajoso, capaz de explorar novas possibilidades narrativas, o filme jamais consegue ultrapassar seu caráter experimental para ressoar de maneira emocional junto ao espectador. Anna Karenina é um esforço interessante, mas insosso.

O caráter experimental citado no parágrafo acima é percebido logo nos primeiros minutos da produção, quando a ação começa a acontecer sobre um palco cujas cortinas se abrem diante dos olhos do espectador. Ali, de uma forma que remete diretamente a Dogville (idem, 2003), de Lars Von Trier, Wright esclarece que seu filme não irá seguir uma abordagem tradicional, o que não deixa de ser uma ideia promissora. De fato, alguns dos grandes momentos de Anna Karenina resultam exatamente desse recurso teatral: desde o início no qual a obra quase assume um tom de comédia (inclusive com overacting dos atores) até os impressionantes momentos nas quais os cenários são desconstruídos e remontados em cena ao longo de um único plano – em uma realização provavelmente dificílima, que deve ter exigido muito dos atores e da equipe –, a produção demonstra a riqueza de possibilidades abertas pela narrativa.

A mise-em-scène teatral também faz com que Joe Wright precise recorrer à criatividade para contar certos elementos de sua história. É o que leva o cineasta, por exemplo, a utilizar imagens de um trem de brinquedo como forma de simbolizar a viagem de uma personagem ou a colocar grandes desenhos do Kremlin ao fundo de suas cenas. De maneira semelhante, as sequências envolvendo a corrida de cavalos e a explosão de fogos de artifício também se destacam pelas soluções encontradas para manter a ação no ambiente interno do teatro. É como se Wright realizasse uma união entre as duas formas de arte, e o resultado é, por vezes, admirável.

No entanto, e aí mora um dos grandes problemas de Anna Karenina, essa lógica narrativa não se mantém durante toda a produção. Aos poucos, o cineasta vai deixando de lado a abordagem teatral, mesclando-a com cenas passadas em locações reais e cenários abertos, sem justificativa aparente para isso. Assim, é difícil de entender qual o objetivo do diretor ao optar por esse recurso: ele realmente tem algo a dizer com isso ou não passa de um mero exercício de estilo? Pretendia tecer um comentário sobre a sociedade de aparências da época? Buscava apenas uma forma diferenciada de apresentar sua história? Queria unicamente um desafio para exibir seu domínio técnico? Várias interpretações são possíveis, mas nenhuma realmente explicada pelo que se vê em tela.

Tecnicamente, porém, o feito alcançado por Joe Wright e sua equipe em Anna Karenina é louvável. Desde o design de produção, que permite a fluidez da câmera nas cenas teatrais, passando pela deslumbrante fotografia e pelos figurinos, tudo contribui para um filme impecável em seus detalhes. Mais do que isso, essa excelência, somada à virtuose do cineasta, gera alguns momentos de pura beleza fílmica, como a sequência da dança entre Anna e Vronsky ou a linda cena que traz Kostya acordando em meio ao feno sob uma névoa fantasmagórica. Da mesma forma, Wright mostra que possui talento e capacidade para planos significativos em momentos como aquele no qual enquadra o marido de Anna posicionado sobre o ombro dela da mesma forma como apresenta Vronsky prestes a tirar a vida de seu cavalo, como se a heroína também fosse uma “vítima” de seu homem.

Por outro lado, a estrutura dramática da produção nem sempre funciona – na verdade, mais erra do que acerta. O principal erro fica por conta da própria construção do romance entre Anna e Vronsky, que deveria ser o núcleo emocional da obra. O roteiro do experiente Tom Stoppard parece enfrentar dificuldades para condensar as quase mil páginas do livro de Tolstói, apressando a passagem do tempo e tornando inverossímeis diversos instantes. Assim, não apenas o casal se apaixona de forma mágica, como em uma produção Disney, mas também Alexei Karenin perdoa ambos sem explicação logo após jurar ódio pela mulher, além de que a própria Anna passa a desconfiar de seu amante sem o filme apresentar motivos para isso. Anna Karenina, por consequência desse roteiro repleto de lacunas, jamais convence em seu centro dramático.

Como se não bastasse, o filme – de forma intencional ou não – acaba por pintar a sua heroína com tons reprováveis, como se ela fosse a vilã da história. Com a interpretação histriônica de Keira Knightley, Anna é uma figura antipática, que parece tomar suas atitudes por puro egoísmo, não por um amor irrefreável - e a composição gélida de Aaron Taylor-Johnson para Vronsky, além da química nula entre os dois atores, contribui para isso. Quem acaba ganhando destaque são os personagens coadjuvantes, que transparecem como infinitamente mais nobres do que os protagonistas, com os quais a plateia não se identifica em não torce em nenhum momento: tanto o marido traído interpretado com dignidade por Jude Law quanto a história do casal Kostya e Kitty são muito mais interessantes e melhores desenvolvidos do que a insuportável relação entre Anna e Vronksy, em um desequilíbrio que prejudica a obra de forma irreversível.

Vítima também de um terceiro ato arrastado e estéril emocionalmente, Anna Karenina é um filme inconstante, ainda que ambicioso por parte de seu cineasta. Ao final, o espectador tem a certeza de duas coisas: primeiro, a de ter acabado de assistir a uma obra ousada, pelo menos em sua tentativa de se diferenciar; e, segundo, a de que se trata de um filme vazio, interessante apenas em sua embalagem. Não foi dessa vez que Joe Wright retornou à realeza.

Comentários (7)

Ícaro Santana | terça-feira, 26 de Março de 2013 - 05:22

Concordo com tudo dito no texto

Adriano Augusto dos Santos | terça-feira, 26 de Março de 2013 - 08:37

À vista da sociedade,a errada é mesmo Anna.
Ela que quebra a unidade da família.


Se fosse normal sem os artificios teatrais era bem mais interessante.

Fernanda B | sexta-feira, 29 de Março de 2013 - 23:38

Quero ver, mas acho difícil ser melhor que a versão da Greta Garbo ou da Vivien Leigh. O livro é meio complicado pra ser adaptado, muito introspectivo. Enfim, tenho poucas expectativas.

Polyanne Souto de Brito | quarta-feira, 26 de Junho de 2013 - 20:20

Vi o filme ontem! Gostei muito da crítica, concordo com tudo! Pecou demais pela forma como mostrou o envolvimento do casal. "Ao final, o espectador tem a certeza de duas coisas: primeiro, a de ter acabado de assistir a uma obra ousada, pelo menos em sua tentativa de se diferenciar; e, segundo, a de que se trata de um filme vazio, interessante apenas em sua embalagem."

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