Quando um diretor se habilita, integralmente a realizar um épico de componência e estabilidades épicas, ele não só se co afirma com esse objetivo, indo quase além às vezes do racional (Lawrence da Arábia), mas realiza as ideologias e práticas fundamentais para chegar ao final do seu esforço conjunto, já que a união faz a força é o provérbio mais adequado aos bastidores dessa arte, com muito orçamento (Avatar), pouco (Por uns dólares a mais) ou quase inexistente (Deus e o diabo na terra do sol). Pois o profissional que comanda (nesse caso, dois irmãos, Joel e Ethan Coen) os finais e os trejeitos decisivos das estradas pavimentadas por fotógrafos, figurinistas, atores e editores sabe que todos eles, uma boa equipe em sintonia prolífica e honesta faz emergir do zero um produto com as mesmas, senão esforçosamente qualidades ainda mais avantajadas do que poderiam ser- um épico.
Pois é, Queime depois de ler não pertence a essa categoria. O irônico de verdade é que os Coen fizeram esta ótima comédia de humor negro entre dois épicos extremamente distintos, Onde os fracos não têm vez e Bravura Indômita (Vamos fingir que Um homem sério não existe, tenho certeza os diretores também fingem isso). No cinema deles nada é gratuito, nada é feito apenas por que há uma boa locação disponível, ou um momento oportuno para o tipo de cinema sarcástico deles. São quebra-cabeças extremamente bem montados, como em Fargo, ou A roda da fortuna. Filmes que, dilacerados são simples, nem tão engraçados assim, mas o conjunto é tão bem escrito que você então percebe que o propósito – subjetivamente farto – dessa comédia que você acabou de assistir não era te fazer rir, como você achou o tempo todo, e você precisa ver de novo para entender que o cerne é mais fundo do que a superfície quebradiça, assim sendo após uma simples revisão.
O roteirista Marshall Brickman disse que “A mensagem do filme não pode estar no diálogo”, e para quem não tem ideia de onde mais poderia estar, os filmes dos instáveis irmãos Coen podem ser uma boa resposta. Infelizmente uma resposta reflexiva, para alguns.
É claro que rir das trapalhadas de pessoas comuns se metendo em altas confusões divertidas pra cachorro é inerente, mas Queime depois de ler, do jeito que é regida sua história passa longe da Sessão da tarde e de qualquer horário da tevê aberta antes das 10 horas da noite. A ditadura do humor negro é pesado, então se você é puritano, agradeça por esse semi-spoiler. Cabeças estouradas e machadadas revoltadas é o que envolve múltiplas histórias com os personagens interpretados de uma maneira deliciosamente caricata por George Clooney, Brad Pitt, Tilda Swinton, John Malkovich e Frances McDormand (Atuações fantásticas, feitas para nos equalizar aos absurdos propostos). Nem mesmo o peso de um elenco dessa categoria e prestígio desbanca a qualidade excepcional de uma trama que vai de um disquete com informações governamentais até a paranoia conjugal cada vez mais típica das comédias norte-americanas. Culpa de Woody Allen, só podia ser ele! Queime depois de ler também poderia ser o encontro de Magnólia com Depois de Horas, com uma pitada bem-vinda de Preston Sturges.
Ou seja, não tinha como dar errado, e não deu! Quando um filme se desmistifica, o que sobra para nós, os julgadores? Não é só por isso, logicamente, que Kill-Bill é a obra-prima oficial até o momento de Quentin Tarantino, diretor inclusive constantemente comparado com os Coen (ou o contrário), a desmistificação do conteúdo gera um novo olhar sobre este, um ponto de vista que passa a ser apreciador, quase didático de modo a seguir uma incompatibilidade sensitiva julgadora. Aqui, por exemplo, os personagens não ficam reclamando como a vida deles poderia ser diferente com uma cirurgia plástica nova, ou a amante que poderia muito bem ser a esposa, mas eles realmente tomam atitudes para que o sonho se torne real – e pagam o preço de um modo irônico e perverso, como o preço que o cowboy Llewelyn Moss teve de pagar por ficar no caminho do assassino Chigurn em Onde os fracos não têm vez...
Como podem ter notado, os Coen não perdoam nem os personagens, quanto mais o público! Essa talvez seria uma condição hilária, realmente.
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