Quando surge em off a voz de Grace (Nicole Kidman) pedindo às crianças para se acomodarem enquanto conta a elas história de como Deus criou o mundo e todas as coisas em sete dias, enquanto ilustrações de livro infantil preenchem a tela e dão forma as palavras daquela mulher ainda na sequência inicial de créditos, vai transparecendo o apego de Os Outros (The Others, 2001) à narrativa tradicional, por acreditar nesse modelo básico como o mais eficaz para fisgar o espectador, a fim de provocar nele os mais distintos sentimentos – e talvez esteja certo.
Contar uma velha história de fantasmas ambientando-a em uma imponente mansão cheia de cômodos e passagens secretas como é a residência onde Grace vive com os filhos e espera o marido voltar da guerra, envolta em uma implacável neblina e afundada em uma escuridão que a castiga mesmo durante o dia (explicada por uma alegada fotossensibilidade que as crianças sofrem) acaba sendo a forma de Alejandro Amenábar, que escreveu e dirigiu, legitimar essa proposta, por enxergar nesses lugares comuns do gênero horror ferramentas de grande persuasão, do contrário não teriam resistido aos séculos em que foram exaustivamente utilizados na tradição oral, na literatura e até mesmo no cinema.
Funcionam até hoje, acredito, por estimularem pavores elementares como o medo da morte e do desconhecido, representados pelo clássico medo do escuro, do qual Amenábar se apropria aqui para resgatar essas sensações básicas no espectador (recorre-se aqui até à figura comum do fantasma, coberto por um lençol branco, ainda que em outro contexto), ao mesmo tempo em que provocam no leitor, no ouvinte ou no espectador uma catarse – mesmo que esse efeito não ocorra de modo explícito aqui, em que horror ganha vida pela sugestão. Esses objetivos de Os Outros acabam sendo tão precisos quanto os econômicos recursos narrativos dos quais se vale para atingi-los, dada à confiança que o diretor tem na história que está apresentando, de modo que o final-surpresa acaba servindo perfeitamente como uma legitimação das possibilidades que comporta o conto de horror tradicional, nunca como uma subversão.
Amenábar conta sua história de fantasmas com a mesma desenvoltura de um bom narrador oral, cujas palavras, sempre muito bem pensadas quanto a sua função, vão tratando de desvendar os caminhos da trama e descortinar seus mistérios para uma plateia já fisgada, que se permite se levada por cada rumo que o contador desejar traçar. Assistir a Os Outros acaba sendo, portanto, uma experiência não muito distante da que é ouvir aquelas antigas lendas arrepiantes contadas por nossos avós ou mesmo ler aqueles contos assombrados em empoeiradas coletâneas de terror, em que o medo acaba sendo estimulado mais pelo que a narrativa sugere do que pelo que ela revela.
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