Você é um caçador e, num dia qualquer de caça, se depara com o cenário de corpos ensaguentados e espalhados no seu caminho, numa região desértica do Texas, onde um negócio malfeito entre dois grupos criminosos arrasou ambos os lados da disputa, restando dessa matança uma valise com 2 milhões de dólares. Qual é a sua atitude ao descobrir a valise? Volta pra casa, junta as tralhas e pega o primeiro voo rumo à felicidade ou, pensando melhor, no meio da madrugada, volta ao local para uma sessão nostálgica?
Essa é a abordagem inicial do filme Onde os Fracos Não Têm Vez, filme dos irmãos Coen, Joel e Ethan, que se passa no Texas dos anos 80. Premiado com o Oscar de Melhor Filme, Melhor Direção, Melhor Ator Coadjuvante e Melhor Roteiro Adaptado, ainda concorreu a outros quatro prêmios da Academia no ano de 2008. Após dois filmes negativamente avaliados pela crítica (Matadores de Velhinha e O Amor Custa Caro), os irmãos diretores definitivamente acertaram a mão e produziram uma de suas melhores e mais aclamadas obras.
Seu protagonista é Llewelyn Moss, interpretado por Josh Brolin, que se sai muito bem no papel de um interiorano bruto. Ao encontrar por acaso milhões de dólares de um negócio mal resolvido no meio do deserto texano, resolve peremptoriamente retornar ao lugar no meio da noite, contrariando todas as leis que regem o bom senso, quando, como era de se esperar num negócio envolvendo dinheiro, acaba descoberto e sendo vítima de uma caçada colossal pelo psicótico Anton Chigurh, interpretado de forma magistral pelo ator espanhol Javier Bardem.
Cabe um parêntese à atuação de Barden. Representando um assassino compulsivo, sem qualquer senso de humor, Chigurh foi escolhido como um dos 100 maiores personagens do cinema de todos os tempos pela revista Empire. Não foi à toa. Barden imprimiu-lhe o fascínio de uma estética bem encaixada, envolta de uma impecável complexidade de um personagem que possui um código de conduta próprio, transcendendo as drogas e a bebida, fornecendo com isso uma crítica velada à sociedade. Sua aparência serena lembra o assassino frio de Fargo (1996) e é um oposto do personagem Brandon que, na obra de Alfred Hitchcock, Festim Diabólico (1948), apesar de toda a frieza para matar, é entorpecido pela própria vaidade.
A qualidade cênica de Barden encontra sua melhor tradução no já antológico diálogo travado com o dono de um pequeno comércio que vê sua vida ser decidida pela sorte de um jogo de moeda – aliás, uma das melhores cenas do filme. Com um visual singular, sempre trajando roupas pretas, além de um cilindro de oxigênio cuja utilidade vai do arrombamento de portas a assassinatos, o intérprete de Chirguh exala uma forte impressão visual.
Tommy Lee Jones, no papel de um xerife que se vê superado pelo tempo, diante de um crime organizado mais complexo na sua forma de operar e muito mais ramificado, ocupa, tal como sua desacreditada função policial, um papel secundário na trama envolvente e ágil da caçada promovida por Barden a Moss.
O propósito de Onde os Fracos Não Têm Vez, e por isso também o valor de sua história, não é oferecer uma proposta de redenção individual, mas refletir os aspectos sombrios de uma sociedade fútil e medíocre. O Texas, cenário de grandes obras de faroeste e de disputas repletas de valores simbólicos, com a figura do xerife a ocupar um papel preponderante, é visto aqui por um ângulo friamente contemporâneo e iconoclasta. Despido de manobras líricas, apresenta uma realidade lancinante.
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