Primeiramente jovens que não viveram a época do lançamento dessa obra-prima é preciso contar um pouco do que restou em minha lembrança dos bastidores da confecção de tal filme. Um filme tão monumental para o Cinema pós 70, quanto Citizen Kane foi para o Cinema pós 40. A Paramount comprou os direitos sobre o livro, antes mesmo que Puzo o tivesse terminado. O que demonstra o impacto causado no representante do estúdio que teve acesso a algumas páginas escritas por ele. Ainda que o que tenha excitado o interesse era a temática: A Máfia.
Para direcionar a confecção do que ainda estava no estágio de projeto foi escolhido (ou incumbido) a tarefa ao vice presidente do estúdio, um tal de Robert Evans se minha memória não falha. O mesmo tentou colocar a frente da direção nomes como Sydney Pollack, Richard Brooks, Arthur Penn, Peter Yates, Norman Jewison e até Costa-Gravas. Todos declinaram do convite, ninguém queria estar atrelado com um projeto que mostrava a Máfia de maneira simpática, além do que existia no ar uma velada ameaça vinda dos meios obscuros que não viam com bons olhos tal projeto. Como surgiu o nome de Coppola não o sei. No entanto é possível fazer alguma conjectura sem cair no ridículo. Um diretor novato e estreante, que demonstrou ter algum talento, além do que a ascensão ítalo americana caia como uma luva. Poderia ser facilmente manipulável e se enquadraria dentro nas normas e orçamento do estúdio. Só que Coppola também recusa. “Ele não queria exaltar o lado negro da herança italiana”. Mas é encostado na parede e capitula: Coppola precisar levantar dinheiro para comprar de volta a sua Produtora que vendera a Warner Bros. E os 600 mil dólares fariam isso. Ele é obrigado a se sujeitar ao Sistema.
Alguns espectros ainda assombravam o projeto. Um era a Liga Ítalo Americana dos Direitos Civis temerosa sobre o impacto do filme sobre a comunidade (e também sobre os “negócios”). Outro o aspecto financeiro, o medo de um fracasso comercial. . A Paramount tinha sofrido nos anos anteriores a feitura do filme alguns dissabores financeiros. Apesar do regozijo ainda causado pelo estrondoso sucesso de Love Story (de Arthur Hiller) o estúdio não esquecera a sangria causada por obras como: Ver-te-ei no Inferno (de Ritt), Os Aventureiros do Ouro (Joshua Logan) e Ardil 22 (Mike Nichols) para ficarmos em três. Para que tal não se repetisse ou o impacto fosse diminuído pensou-se em tratar da transposição as telas com um orçamento modesto. Para tal teve-se a idéia de transpor o filme para a década de 70 e transferir a ação para Saint Louis (o que também afastaria um pouco a atenção da Liga dos Direitos já citada). Coppola no entanto a frente do projeto, rejeitou veementemente as propostas e exigiu que se seguisse o original. Era claro para ele que a Máfia não era mais a mesma de após Guerra. Era questão de honra para ele fincar a história no pós Segunda Guerra. E era preciso também reconstituir essa época e fazer algumas tomadas na Sicilia para que a obra não caísse no ridículo ou perdesse a força de sua dramaticidade. Isso faz com que as cifras que a Paramount queria dispor para a Produção fossem dobradas pelo menos umas duas vezes. O filme vem a se tornar naturalmente o blockbuster de 1972.
Decidida as questões técnicas, o problema voltou-se sobre o elenco que deveria dar vida aos personagens. Evans queria que Michael Corleone ganha-se vida na pele de Ryan O’Neil ou Robert Redford. Coppola descarta da manga a mesa um nome desconhecido até então: Al Pacino. Ele só consegue o papel após inúmeros testes e a teimosia do diretor. O que pesou mesmo no final foi o cachê menor. Sonny cai no colo de Caan, a quem Evans nada possui para desabonar. Caan conhece bem o meio que será retratado, pois cresceu próximo a ele. Roberto Duvall será um Tom Hagen carismático. Coppola está à frente da escolha do elenco e só teve um nome recusado: Stefania Sandrelli dará o lugar a Simonetta Stefanelli. O resto do elenco foi aquele que vingou na tela. Faltava, no entanto Dom Vito Corleone. E o orçamento pesava sobre a escolha a ser feita. Coppola faz vários testes e o nome não surge. O número exato de candidatos não se sabe. É sabido, porém que dezenas de velhos atores de feições italianas foram convocados. E nada. O estúdio aventa a hipótese de dar o papel a Laurence Olivier. Coppola lembra-se de Brando. O Estúdio cai na gargalhada. Dino de Laurentis ciente do fato diz que se Brando interpretar Corleone o filme vira uma comédia involuntária. A Paramount teme, Brando (que em minha opinião sempre foi um ator mediano para sofrível nas telas) vinha de enormes fracassos, além de ser causador de problemas nos set, com seus atrasos e falta de disciplina. Coppola insiste e o Estúdio impõe um teste. Brando o qual o estúdio cria que recuaria com a imposição, aceita. Brando coloca Kleenex na boca, estufa as bochechas, coloca um brilho nos cabelos e assemelha-se a um buldogue. Quando os executivos vêem os testes misturados aos demais ficam admirados: “Quem é este? Nunca o vimos.” A resposta os cala.
O livro, perdoem-me quem o cultua, apesar de uma história que prende do começo ao fim, carecia de um estilo literário marcante. Coppola a meu ver enxerga isso e busca o corrigir. Amparado pelo genial Gordon Willis e o Designer Dean Tavoularis consertam tal deficiência ao definirem o aspecto visual da obra. Para dar suporte aos caprichos de personagens que se dividem entre o bem e o mal, a história se desenrolará entre a luminosidade e a escuridão. Corleone é um velho diabo que está sendo suplantado por um maior, que secundará o Império, aliado as Drogas e o Rock. Reveja a primeira cena, ela nos lega uma atmosfera fúnebre, onde os rostos e os personagens são parcialmente visíveis. A iluminação visa criar um sentido místico, introspectivo, como se estivéssemos vendo de um local inapropriado a encenação de uma grande Ópera. Ou como dizem outros, reproduz em cores, tanto quanto possível, um preto e branco dos filmes noir da década de 40, com grão em tons dourados e uma foto escura meio que amarronzada. Coppola realiza o mesmo em relação a trilha (paisagem) sonora, seca e desprovida de efeitos principais. Essa calma aparente é contrastada com as crescentes tensões que surgem naturalmente no enredo.
A residência dos Corleone pensada por Dean Tavoularis é semelhante aquela conhecida pelo grande público através da mídia jornalística da década de 60: A da Família Kennedy. Um Patriarca amparado por vários filhos de potenciais indiscutíveis. Tavoularis se delicia ao recriar detalhes de uma época já passada misturando as imagens gravadas pela população americana e mundial em seu inconsciente.
Para dar um ar de autenticidade ao filme e preservar a identidade ítalo americana, Coppola tem a coragem de deixar vários diálogos em italianos (uso de subtítulos) o que era impensável em um filme de tal envergadura. Hoje se isso soa normal, é que estamos deslocados da época de sua feitura. Seria o mesmo que impor a nossa pobre cultura, que todos os filmes fossem obrigatoriamente passados legendados em nossos Cinemas e na TV. Outro dado importante: O produtor não gostava do trabalho de Nino Rota, pois o achava intelectual demais, e queria que canções mais populares ganhassem a tela. Coppola não só o garantiu como também não se intrometeu no seu trabalho. Ao contrário, se valeu da obra, para engrandecer o filme: Usa a aparência do tema principal, assombrado pela tragédia para marcar a evolução do Michael e destacar os passos que o conduzem a testa da Família. A escolha da valsa refere-se de forma metafórica, a forma como os seres humanos se tornam marionetes nas mãos de Vito e Michael.
Podemos ter a impressão que Coppola não mais sofria pressão por parte do estúdio após o inicio das filmagens. Isso é uma inverdade. A pressão por parte do estúdio retornou finda a primeira semana de gravação. Evans não gostava do resultado que via. Achava a fotografia escura e não entendia um patavina do que Brando falava. Pensou em convocar Kazan para que esse terminasse o filme, mas calou-se quando Brando disse que abandonaria as filmagens se isso ocorresse. De certa forma ele salvara Coppola, que também apaziguou os ânimos, quando disse que tal seria remediado depois.
Durante as filmagens Coppola não seguia o script previamente traçado, preferia reescrever cenas e improvisar. Isso desgostava seu fotografo; Willis tinha de traçar novas iluminações, quando metódico como era, já planejara tudo. Apesar dessa reescrita e dos improvisos as filmagens ultrapassaram em pouco mais de uma semana o cronograma previsto.
Gravara mais de 90 horas de material e tinha de reduzir tudo isso a pelo menos três (O Estúdio exigia duas, mas o diretor não capitulou). Logicamente que havia material para ao menos umas dez. Contudo era preciso jungir isso de tal maneira, que a força da verdade que fosse as telas, encontrasse eco na realidade dos que iam assistir. Ele percebera que não se tratava apenas de um filme de mafiosos. Era em realidade a história de uma família que representa o próprio poder da América. Essa ideia de se destacar as intrigas familiares e mostrar o poder que tudo manipula e não dá espaço para certas liberdades. Veja como o papel feminino fica reduzido aqueles das mães e de esposas. Tipicamente vemos várias cenas que encontram eco naquilo que conhecemos dos ítalo-americanos: as músicas típicas, os repastos e o apego a alimentação, as sucessivas imagens de crianças correndo pelas casas, durante as reuniões ou o casamento.
A máfia Nova Iorquina se ancora a uma meia dúzia de famílias que seguem certos códigos pré-estabelecidos alicerçados em rituais religiosos: Casamentos, batismos, Crismas, Confessionários. A introdução de qualquer membro dentro do sistema ou a mudança de status dele no já existente deve ser anunciado com pompa e feito de forma a se estabelecer logo o poder dessa mudança.
A montagem do filme vagueia entre a alternância constante, mascarando assim diante de nossos olhos os monstros retratados. Michael e Dom Vito são personagens confusos. Ora tem gestos dignos, mas tudo isso é simples polidez que esconde a podridão. Apesar de tudo eles e seus familiares são prisioneiros do império que criaram. Vivem reclusos e protegidos 24 horas por dia. Tal é o preço a pagar pelas ilegalidades cometidas no altar da criminalidade. O diretor viu na obra de Puzo uma importante oportunidade para se discutir o poder, a sucessão e as relações familiares. Mais que isso, delata com rara perspicácia a sina de cair cada vez mais na senda da desumanidade. É notório que Michael irá se tornar pior que seu pai. O velho, por pior que fosse, ainda tinha escrúpulos e estava limitado por um pingo de decência. Ao não querer que a família se envolvesse com as drogas colocou sua vida em perigo. Michael não se sujeitará a consciência como o pai(é emblemática a cena em que Dom Vito contra a opinião de todos apoia Jonny Fontane e o ajuda a se manter vivo dentro da indústria de entretenimento - clara alusão A VOZ e a A Um Passo Para A Eternidade). Ainda que o discurso fosse que seriam apenas para os negros e latinos, em realidade veiculada pela força incoercível do rock ela penetraria em breve todas as raças e escalas sociais. Não existiria mais um oásis e os muros que cercavam a mansão dos Corleone poderia ser facilmente transposto. Dom Vito percebera isso, bem como a impossibilidade de impedir isso. Afasta-se e deixa nas mãos do filho a herança maldita. Justamente do filho que ele acalentara afastar da trilha destinada aos demais. Pesava também em sua consciência, ainda que de forma diminuta, o caminho trilhado. E assim o filme passa a ganhar ares de uma tragédia clássica. O homem que busca fugir de um destino e em determinado momento o abraça. É a fatalidade que o obriga a tomar as rédeas do negócio. A cena do hospital é emblemática para esse despertar. A cena do restaurante, onde assassina o chefe do clã rival e um policial corrupto é o selar do seu destino. Na montagem foi inclusa o som do metrô aéreo que passava no instante dos trilhos. É como se o personagem rompesse de vez com os últimos resquícios de uma consciência, com o sonho acalentado pelo pai. Definitivamente é um caminho sem volta. A passagem da inocência a criminalidade.
Michael é a nova geração, uma geração lapidada pelo de que pior existe, que suplanta a anterior e deixa para trás uma época onde se havia ainda de valores morais. Essa tomada de consciência nós teremos através da personagem de Kay. Alguém de fora do sangue italiano, que ouvira no passado ele falando de sua família como se não se encaixasse nela. E que de repente passa a ser o próprio símbolo do submundo. Ele perde os valores que possuía a medida que se torna mais poderoso. O idealista de outrora lentamente se transforma numa máquina de matar que não possui nenhum escrúpulo. O término do filme com a esposa fechando a porta simboliza também o término do casamento. O Casamento passa a ser só uma fachada, algo vazio e sem importância real.
Falemos um pouco do inicio do filme quando Bonasera procurou Dom Vito para buscar a justiça que não encontrou no estado. Ficamos sabendo que sua filha foi estuprada e que os culpados não foram enviados a prisão pela justiça. O que acalenta a simpatia do público para com o Padrinho é justamente a possibilidade de encontrar alguém que os proteja onde o estado não cumpriu o seu papel. O pai exemplar de família não percebe que assim está agindo como os fora da lei que condena. Não é só uma perda de fé no país que o acolheu, é também uma despedida com o civilizado ser que acreditara em fazer a América.
No filme percebemos que o Poder e o crime estão intimamente ligados: funcionários de altos cargos públicos e Policiais dão cobertura a um sistema mascarado. O Sonho americano foi envenenado por um Sistema Corrupto e a Máfia aproveitou dessa vacância. A Máfia é uma alternativa as instituições puídas e ineficientes. Hoje Máfia e instituições públicas estão intimamente ligadas. O filme mostra como a Máfia cresceu a sombra e hoje está dentro do Poder Maior. Em certo sentido a Máfia é um belo exemplo de um tipo de Capitalismo que hoje impera no mundo. Máfia e Tio Sam são fenômenos totalmente capitalistas.
E o pós 2ª Guerra (com o nascimento do rock)marcará definitivamente o momento onde essa junção ficará tão estreita que é impossível enxerga-los separadamente. Se Dom Vito queria afastar as drogas do seu convívio, Michael vira o maior propagador de seu uso e a estimula através de todos os meios (O Rock terá papel preponderante para a expansão delas, através da venda de um modo de ser totalmente americano baseado nas necessidades criadas por esse novo mercado consumidor). Michael permanecerá fiel na crença que poderá viver ele e os seus protegidos atrás de altos muros e não ser vítima do sistema que criou. Mas os próprios ítalos americanos também perdem contato com as raízes e se prostituem com o rock e as drogas dessa nova era. E o seu rastro de destruição ameaça outras culturas e promete extirpar do planeta qualquer resquício de humanidade. Ainda creio que o bom senso prevalecerá, mas as sociedades pagarão caro o preço da desintoxicação.
Kadu falou encaralhadamente tudo. [2]
A necessidade de atenção que uma pessoa possui pode chegar a atingir determinado ponto onde este chega a se denegrir de maneira vergonhosa, é uma pena.
\"Se é fake ou não é, não dou a mínima. Afinal aqui não tá lotado de fakes?\" (2)
Dane-se mesmo. Fora Brando e o rock texto muito bom.
Caramba, deve ter um bug nesse site porque varios usuarios não conseguem utilizar a barra de espaço e nem reticências com menos de 5 pontos. Estranho.