É 1969, e nesse mesmo ano, um dos maiores artistas do Século XX faria seu primeiro longa-metragem.
Depois de seus primeiros curtas, era a hora de entrar de vez no mundo do cinema, e Fassbinder (então com 23 anos) começava sua belíssima e controversa carreira. Dá para se dizer que começou bem, pois O Amor é Mais Frio que a Morte (Liebe ist kälter als der Tod) é um filme de enorme peso artístico. E também é muito influenciado pela Nouvelle Vague, possuindo um monte de cenas (inclusive o próprio roteiro e a montagem vanguardista) que trazem à memória a estreia de Jean-Luc Godard em À bout de souffle (br: Acossado). Influências essas que moldariam o conhecido como Novo Cinema Alemão (que tinha como alguns membros Wim Wenders, Volker Schlöndorff e o próprio Fassbinder).
É o início de uma trilogia de gângster feita pelo diretor: O Amor (...) e os outros dois, Os Deuses da Peste (Götter der Pest, 1969) e O Soldado Americano (Der Amerikanischer Soldat, 1970). Sendo que não foram feitos todos em sequência (apesar dos anos de produção serem seguidos).
O filme propriamente dito trata de três personagens centrais, são eles: Franz, Bruno e Joanna. Franz é um criminoso envolvido em tudo quanto é tipo de delitos, dos mais comuns (roubos) aos mais vulgares (prostituição). Em um sindicato de criminosos, na qual ele se recusa a participar, faz uma estranha amizade, um rapaz chamado Bruno. É ele quem atormenta a já fria relação entre Franz e Joanna, sua namorada.
O produção do filme é tosca e chega a surpreender de como Fassbinder tirava do mais simples a mais bela obra de arte. Chega a agradecer um homem (Jean-Marie Straub) por um plano-sequência de dentro de um carro. Sequência que hoje eu gravaria em cima da minha bicicleta com um celular barato e ficaria praticamente igual - e confesso ser exatamente isso o mais apaixonante no cineasta. A execução é teatral, seja a montagem de cena, os enquadramentos (sempre bem trabalhados e simétricos) ou até mesmo as atuações. A direção de arte é simples, mas por si só interessante, como o apartamento de Franz, todo esbranquiçado e vazio, passando sensação de indiferença, um ótimo retrato do próprio personagem. O ritmo é lentíssimo, o que é diferente de arrastado; quando um filme se arrasta temos problemas, quando um filme é lento podemos deleciar-se de detalhes, estudos psíquicos e mise-en-scène.
Alguns preferem dizer que esse primeiro longa de Fassbinder é mais um filme de cinéfilo, um ode ao cinema do que ao cinema de verdade. Eu gosto de acreditar nas duas versões. Tanto por que para se fazer cinema é preciso amá-lo antes de tudo, e Fassbinder amava o cinema, embora preferisse personagens maltratados.
O problema mesmo fica com a edição, que embora aparante ser vanguardista, tira e muito o charme do filme, deixando-o por vezes quase enfadonho. As coisas ficam mal expostas e mal explicadas, deixando o espectador um tanto perdido na vida dos personagens.
O diretor alemão faz do que seria um triângulo amoroso fora da lei algo quente e energético o seu próprio avesso. É estranho notar isso, pois o fora da lei no cinema já é uma inversão de papéis, o avesso dos mocinhos. Como visto em Bonnie e Clyde (1967), por exemplo. Então, os personagens de Fassbinder seriam o contrário do contrário em análise mais chula. Não são energéticos, são frios; não são apaixonados, são distantes; não possuem expressão, só fumam cigarros (e muitos cigarros); não sentem nem prazer ao matar, apenas observam com certo desprezo a morte que chega. Até mesmo em uma cena engraçada do filme, em que os três se tratam como desconhecidos para furtarem óculos em um centro comercial, a expressão no rosto deles é zero. Retrato simbólico da Alemanha pós-guerra, os seres humanos ainda estão todos lá, mas o humano ficou esquecido em algum lugar, agora todos só sabem agir como predadores.
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