Infelizmente tive o desprazer de Assistir a Malévola na versão dublada. A sala estava lotada e praticamente todas as sessões estão sendo dubladas agora. Talvez pela dificuldade que alguns possam apresentar para acompanhar a legenda e, simultaneamente, prestar atenção à bela estética do filme. Aliás, já que mencionei este aspecto, iniciemos por ele.
Não é de hoje que os estúdios hollywoodianos vêm fazendo adaptações dos contos de fadas, recontando-os, dando-os novos contornos, vestindo-os com novas roupagens, subvertendo os paradigmas dos contos de fadas tradicionais. Vide, por exemplo, Shrek, sucesso de bilheteria, que põe de ponta cabeça os estereótipos de príncipe e princesa.
Movido por essa premissa, a Disney lança Malévola – uma versão para A Bela Adormecida na perspectiva da “vilã” que dá nome ao filme. E a aposta máxima, é claro, está nos belos efeitos visuais que ganham vivacidade nas salas que exibem o filme em 3D. Inicialmente somos apresentados a um deslumbrante cenário feérico, com fadas, fontes de águas cristalinas, seres das mais diversas formas e flora que têm vida personificada: esse lugar maravilhoso é o reino dos Moors cuja protetora é Malévola. É nesse mundo maravilhoso que somos apresentados à Malévola, uma fada, digamos do mal bem diferente das fadas tradicionais do tipo Wendy, de Peter Pan. Malévola tem chifres, corpo humano e asas de gárgulas. Asas que a permitem flanar livremente pelo límpido e azul céu do fantasioso reino em que vive.
Em um dia, Malévola é chamada pelas criaturas de seu reino que estão prestes a capturar um humano por ousar adentrar o reino e dele roubar um cristal. Ao avistar o humano, Malévola pede a ele que devolva o que pegou para poder ir embora sem causar problemas para ele. A partir daí, esse humano, Stefan, passa a visitar Malévola e ambos desenvolvem uma amizade que culmina com ele, no aniversário de Malévola, dando-lhe um “beijo de amor verdadeiro”.
Stefan tem a ambição de liderar o reino vizinho ao dos Moors e, para isso, abandona Malévola, traindo-a quando seu rei promete a coroa a quem matar a criatura alada (Malévola) que protege o reino dos Moors. Valendo-se da confiança e do amor da fada, e movido pela sede de poder, Stefen atrai a fada para uma emboscada, embebedando-a. Após cair em sono, Stefan tem a chance de matar Malévola e levá-la para o rei para que este cumpra sua promessa. Acontece que Stefan hesita e, no lugar de matar Malévola, ele arranca as lindas e poderosas asas da fada, ferindo-a duplamente: no físico e no emocional. E, por isso, Malévola passa a não mais confiar em ninguém.
Para se vingar, no dia de apresentação da princesa Aurora (filha de Stefan, que se tornou rei após, trair Malévola, roubando-lhe as asas) aos habitantes do reino, Malévola comparece ao castelo e lança uma maldição na garota: quando completar dezesseis anos, ao espetar o dedo em uma roca, a garota cairá em sono profundo e só acordará se receber um beijo de amor verdadeiro. A maldição lançada por Malévola repete a fala de Stefan, quando jovem, ao beijar a fada em seu aniversário de dezesseis anos, dizendo-lhe que aquele era um beijo de amor verdadeiro.
Na tentativa de não permitir que a maldição se cumpra, Stefan manda que se recolham todas as rocas de seu reino, parte para uma caçada a Malévola e entrega Aurora aos cuidados de três fadas que deveriam zelar pela segurança da princesa até que esta complete dezesseis anos e um dia. Para a surpresa do público, quem cuida de Aurora, secretamente, é a própria Malévola, já que as três fadas incumbidas para esse papel são extremamente estabanadas.
E é nesse ponto que Malévola ganha em originalidade, pois a mesma vilã que lançou a maldição se mostra afetada pela presença inocente de Aurora – a quem Malévola chama de “praga” e “praguinha” (pelo menos na versão dublada). Com o tempo, arrependida da maldição, Malévola tenta revogá-la, o que não é possível, visto que tal encanto só se dissiparia com um beijo de amor verdadeiro.
Durante os dezesseis anos que permaneceu afastada do castelo, Aurora conhece Malévola, tomando-o por fada madrinha e isso acaba por aproximá-las, intensificando o amor que Malévola passa a ter pela garota e seu arrependimento pela maldição.
Basicamente é isso que ocorre no filme até que seja revelada para Aurora a maldição que lhe fora lançada por Malévola. E, é claro, que a maldição se cumpre e nem mesmo o beijo de um príncipe é capaz de acordar Aurora de seu sono profundo. Tal fato representa outra subversão aos contos de fadas tradicionais, haja vista que, ironicamente, o beijo que acordará Aurora e, portanto, irá retirá-la de seu sou mais profundo sono é o beijo de Malévola.
O que se segue adiante é dispensável para este comentário. E eis que o filme, longe de ser chamado de maravilha, alcança uma problemática interessante ao revisar “A Bela adormecida” na perspectiva da vilã que, na verdade, não é somente a vilã, mas, também, a heroína do filme. Mais ainda: o beijo de Malévola, que carrega consigo o amor verdadeiro, pega o espectador desprevenido, surpreendendo-o uma vez que o modelo é o príncipe despertar a princesa com um beijo de amor. Durante a sessão, foram várias as apostas para quem daria o beijo de amor verdadeiro em Aurora. Em momento algum ouvi o nome de Malévola como aposta entre os que enchiam a sessão a que assisti. E, quando Aurora foi despertada pelo beijo de Malévola, após um frustrado beijo do príncipe, a surpresa foi geral e positiva.
E como eu já havia mencionado, a grande aposta do filme está nos efeitos estéticos: o que, em cinema, se traduz, sobretudo em linguagem visual coadunada à linguagem musical. Acho desnecessário mencionar o quão divinamente bela está Angelina Jolie na pele de Malévola – a maquiagem, o detalhe das formas quadradas no rosto da fada, o impecável figurino dark, as belas asas e até mesmo os chifres caem maravilhosamente bem em Malévola.
É uma grande pena, no entanto, o enredo do filme não acompanhar o belo investimento estético o qual tanto encanta o público. O ponto detonador para que Malévola se tornasse uma fada “do mal” é fraco e poderia ter sido melhor explorado pelos roteiristas. Além disso, a construção da personagem de Malévola se mostra bastante superficial, dada a fragilidade da problemática que a torna uma vilã. Não posso deixar de mencionar, ainda, que a dubiedade dos sentimentos da fada – amaldiçoar, amar, cuidar, destruir, odiar – igualmente permanecem mal trabalhadas no desenrolar da produção. Em momento algum senti compaixão ou dó de Malévola: nem mesmo no momento em que suas asas são roubadas por Stefan, haja vista que tudo é superficialmente desenvolvido, priorizando, sempre, o aspecto estético do filme.
Enfim, vale a pena ir assistir a Malévola que seduz muito pelos olhos, pela aprazível estética e, é claro, pelo nome de Angelina Jolie. Honestamente, fico chateado pelo fato de essas produções, cujas propostas, diga-se de passagem, são muito boas, não serem devidamente desenvolvidas. Talvez os roteiristas, e mesmo a direção, pensem que apenas a estética será capaz de elevar o filme ao status de grande produção. Bom: não é bem assim: afinal, como diz a sabedoria popular: beleza não põe mesa. No caso de Malévola, nem mesmo a belíssima Jolie é capaz de salvar a produção de se tornar apenas mais um filme com forte apelo estético.
A cena em que Malévola perde suas asas é fortíssima, dramaticamente falando, com Jolie dando um show de interpretação. Sem falar na clara metáfora de um estupro nesta sequência. Mas concordo quando diz que o roteiro do filme não acompanha a qualidade visual da obra.