Franco Zeffirelli, após lançar seus dois primeiros filmes e ganhar experiência com eles tomou a decisão de concretizar uma antiga vontade, fazer com que a história tão pouco conhecida de São Francisco de Assis ganhasse vida no cinema em um filme bonito e simples. E é exatamente isso que o diretor acabou fazendo. Quando pensamos em alguns exemplos de filmes religiosos que querem contar de certa forma a vida de santos ou beatos da igreja temos constantes decepções, pois são dirigidos de forma fanática mostrando os milagres, tudo que a pessoa fez diretamente para Deus e esquecem de que apesar de tudo estão gravando um filme, um filme que deve possuir qualidades técnicas, artísticas, para atrair não só pessoas da igreja como também cinéfilos em busca de um pouco mais de arte no cinema. E é neste ponto que “Irmão sol, Irmã lua” acerta em cheio, conta tudo sem pressa e com uma habilidade imensa.
Francisco (Grahan Faulkner) volta da guerra, doente, cansado e tendo constantes delírios sobre os rumos que sua vida vem tomando até então. Se sente perdido, como se estivesse em busca de algo mais para completar o imenso vazio que está sentindo em seu peito. Febril e em casa ele reflete sobre coisas simples como os animais, que sem nada material são felizes, capazes de viver apenas com água e comida. Ai então Francisco toma uma decisão importante, decide viver na miséria e abandonar seus pais, seu lar luxuoso e passa a se dedicar a reconstruir as ruínas de uma igrejinha no campo, com a ajuda de pessoas simples que abraçam suas idéias. Claro que tudo isso não foi tão fácil, tudo se passa no século XIII e a mentalidade das pessoas era um tanto diferente da de hoje, seu pai não aceita que o filho tenha humilhado a família em praça pública se despindo de suas vestes e dando-as a um mendigo, mostrando assim ideais tão diferentes dos que aprendera até então. É meus amigos, muitas vezes a guerra pode abrir os olhos dos que lutam e mostrar-lhes algo bem melhor.
Como já havia mencionado logo no inicio do texto esta pequena obra prima se difere dos demais filmes religiosos por contar a historia com calma, como se fosse um quadro que deve ser pincelado por partes para que a tinta molhada não se misture com as outras cores ainda não secas na paisagem. E que paisagem! Indicado ao Oscar de melhor Direção de arte em 1974 foi uma grande injustiça não levar a estatueta, “Irmão sol, Irmã lua” usa e abusa de cenários grandiosos, filmados grande parte deles com locações na própria cidade de Assis na Itália. Vemos campos floridos, borboletas voando e ovelhas correndo ao som das mais belas canções compostas especialmente para o filme (em sua maioria). Como Francisco tem grande afeto e cuidado pela natureza, nada melhor do que a produção explorá - la ao máximo nas mais diversas circunstâncias. Cenas como a da pequena igrejinha sendo reconstruída em meio à neve lembra cenas antológicas de filmes como Doutor Jivago e nos sentimos verdadeiramente abençoados.
Sim, o protagonista tem uma ligação com Deus, ele o escuta e segue seus ensinamentos. Diante da beleza do longa, a fé de Francisco não parece forçada, nada novo mas isso não chega a incomodar o espectador. Nem tudo é um mar de rosas, a trilha sonora é falha e não tem o efeito que deveria exercer em cenas emocionantes e belas, assim um pouco da magia visual se esvai. A fotografia deixa muito a desejar, pois se explorasse corretamente os cenários lindos, o filme estaria em um nível um pouco melhor. E claro, Clare, a mais interessante e doce personagem aparece muito pouco, e sua ausência é notável, pois após a metade do filme, a personalidade de Francisco começa a enfraquecer e por não nos identificarmos totalmente com ele deveria haver uma personagem como ela para nos apoiarmos até o fim.
Mas temos aqui um bom filme, Franco Zeffirelli cuidou imensamente para que tudo fosse bonito e a mensagem de esperança viesse até nós naturalmente. No ato final acompanhamos Francisco até Roma, para que ele diga ao Papa suas idéias, que não podemos nos apegar a coisas materiais e sim, temos de cultivar nosso tesouro no reino dos céus. A idéia já está meio batida, mas não menos interessante. Estranho é o Papa concordar com isso e apoiá-lo, hoje, oito séculos depois nada mudou no Vaticano. Pode-se concluir que é filme e tanto, com alguns defeitos, mas nada que anule suas idéias e sua ternura.
P.S: A frase dita por Francisco ao Papa “Porque onde estiver o vosso tesouro, aí também estará o vosso coração” inspirou pessoas como J.K Rowling, que a usou em seu livro Harry Potter.
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