Desiludido com os seguidos fracassos de bilheterias em obras inestimáveis, Leone se afastou do cinema após Quando Explode a Vingança, sendo que apenas realizou duas parcerias com outros diretores italianos, auxiliando na direção e produção de Meu Nome é Ninguém e Trinity e Seus Companheiros, focando em seu projeto mais ambicioso. A imensa ambição somado a genialidade de Leone tornou Era Uma Vez Na América um épico de máfia tão grandioso quanto a trilogia O Poderoso Chefão, apesar de menos aclamado.
O filme narra a saga de um grupo de garotos judeus que comete pequenos delitos em Nova York, na década de 20 do século passado. Acompanhamos todos os dramas, romances, disputa por territórios e formação como gangsteres dos garotos. Posteriormente acompanhamos o reencontro dos garotos mafiosos na década de 60. São três linhas do tempo (infância, fase adulta e velhice) sempre na visão de "Noodles", interpretado por Robert De Niro. As primeiras cenas são complexas, o espectador não entende absolutamente nada, mas serve perfeitamente para prender-lo desde os primeiros minutos de filme, sendo que tudo aquilo vai sendo explicado com o decorrer do filme.
Percebe-se uma grande semelhança com o grandioso O Poderoso Chefão: Parte II (The Godfather, 1974), pelo formato narrativo de várias linhas do tempo. Coppola, naquela oportunidade utilizou de duas linhas do tempo, sendo que Leone foi mais além, utilizou três diferentes linhas do tempo. Sustentar uma história de três linhas do tempo e de quase quatro horas de duração é para poucos, tendo a grande possibilidade de perder o ritmo e domínio do desenvolvimento. Mas é exatamente aí que Leone demonstra toda a sua genialidade, em todo o decorrer do filme o diretor consegue total controle da história, e consegue brilhantemente realizar três atos de forma deslumbrante.
Infância-Adolescência
O diretor reserva um tempo significativo para os adolescentes, cerca de 50 minutos do filme, que para muitos é a melhor parte do filme, e realmente é. Cativante, divertida, comovente, e especialmente ressalta a amizade entre os garotos, esta parte do filme consegue brilhar e corresponder de forma exemplar. Leone faz com que garotos talentosos, porém ainda inexperientes, realizem atuações assustadoramente excelentes, e em alguns momentos até acima dos atores adultos. Garotos que tornam do crime uma diversão e um meio de vida, o florescer do desejo sexual, com pano de fundo uma cidade em construção - tema que Scorsese explorou em Gangues de Nova Yorque, tendo nítida menção a este filme -, a parte do filme que mais se torna marcante.
Adultos
O filme inicia-se com a parte adulta, mas em pouco tempo acontece uma transição para a velhice e seguido pela parte das crianças, que é encerrada com a prisão de 'Noodles', reiniciando a parte adulta. Agora, já como verdadeiros gangsteres, trabalham em prol da lei seca, cometendo grandes crimes. Não tão deliciosa e proveitosa quanto a parte das crianças, mas não deixa de ser atrativa. De Niro em excelente atuação, mas basta dá-lo um papel de um gângster que ele o interpreta naturalmente, é como se fosse John Wayne interpretando um Cowboy, já que os dois tem um identidade fácil, cada qual com seu gênero. Mas De Niro não foi o destaque, a melhor atuação do filme foi de James Woods, que consegue facilmente convencer o público, e sempre destaca-se em suas cenas. A parte de maior predominação do tempo de filme, que não deixa de ser excelente.
Velhice
A parte da reflexão. Refletir sobre o passado, os amigos, os trabalhos, os romances. E é este o papel desta parte no filme, que o leva a lembranças. Toma pouco tempo do filme, mas sempre bem aproveitado. O destaque é a maquiagem realizada com eficacia nos atores para que aparentem ser velhos. As cenas filmadas ao estilo noir, sempre com o protagonista em primeiro plano, filmagens com ângulos fechados e ambientes noturnos.
Ao contrário de suas obras anteriores - como Três Homens em Conflito (Il Buono, il Brutto, il Cattivo, 1966) e Era Uma Vez No Oeste (C'era Una Volta il West, 1968), dos quais foram fracassos de bilheteria e a crítica, na época, os consideravam apenas bons filmes -, o último filme de Leone tinha tudo para ser um grande sucesso. Uma grande produtora de Hollywood, um gordo orçamento de 30 milhões de dólares, um roteiro brilhante e uma estrelado elenco competente, e tudo isso somado a genialidade de Sergio Leone, o resultado não poderia ser menos do que perfeito. Tamanha perfeição foi impedia apenas pelos produtores, dos quais citareis os motivos no seguinte parágrafo. Mas um dos fatos que mais demonstram a total certeza de que Leone tinha o filme perfeito em mãos é o de que o próprio recusou a direção do filme O Poderoso Chefão (The Godfather, 1972), considerado por muitos o melhor filme de todos os tempos, oferecida pela Paramount que queria um diretor de origem italiana para o filme. Mas isso não impediu que Leone realizada seu épico tão grandioso quanto.
Além de todas as dificuldades e barreiras a serem ultrapassadas por Leone na pré e durante a produção, a pós-produção foi um novo obstáculo. a edição final, da qual, devido a cláusulas contratuais seria dos produtores. Leone terminou as filmagens com dez horas de materiais gravados, foram reduzidos a seis por Leone, portanto o diretor propôs duas partes de três horas, mas a recusa dos produtores o fez reduzir ainda mais o tempo de duração do filme. Foi feita uma nova edição por Leone de 3 horas e 50 minutos, sendo que ele acreditava ser 4 horas e 30 minutos o ideal. Os produtores realizaram mais um corte, reduzindo o filme para pouco menos de duas horas e meia, versão que foi lançada nos EUA. O filme foi mal recebido, resultando em insucesso de público e crítica, que acusou vários furos e defeitos no roteiro, por conta da enorme redução. Com muita batalha Leone conseguiu lançar sua versão de 3h50min na Europa, e o filme alcançou o seu devido sucesso. Enquanto no EUA, após muito protesto do público e da crítica especializada, a versão do diretor foi lançada e de imediato as opiniões se modificaram radicalmente, sendo que a crítica o considerou um dos melhores filmes já feitos.
Poucos diretores tem uma genialidade tão enorme quanto Leone. Cada grande diretor é gênio da sua forma, mas Leone é acima da média. A forma de manipulação do tempo cinematográfico feita de forma brilhante e perfeita, tornando suas cenas deliciosamente lentas e proveitosas. O fato é que ele faz o que quer com o espectador, porque ele tem total domínio sobre, sabe como faze-lo de forma impecável. Elabora suas cenas e os sentimentos de quem a assiste, tendo plena consciência do que faz. Há dezenas de exemplos que poderia citar, mas seria tolice descreve-las, pois não é algo que pode ser explicado, apenas apreciá-los. O tempo, o clímax, os sentimentos, a tensão, tudo isso Leone tem total domínio. Por ser um filme de várias linhas do tempo, há a necessidade de transições, e o modo como Leone realizar tais transições é brilhante, passando quase que imperceptíveis ao espectador,. Ainda acredito que Leone esteve melhor em Era Uma Vez No Oeste, mas suas direções são de um nível extraordinariamente alto, que fica meio difícil apontar seu melhor momento, já que é um diretor que busca constantemente a perfeição.
O filme conta com vários aspectos que, se não são, aproximam-se da perfeição. A direção de arte é um desses aspectos. Belíssima, toda a montagem de cenários, a cidade, os detalhes, tudo realizado de forma brilhante e de competência extraordinária. Ouso dizer ser a melhor direção de arte de todos os tempos. A fotografia completa de forma espetacular a direção de arte, resultando em cenas que acompanham o clima do filme. A trilha sonora de Ennio Morricone, colaborador em todos os filmes de Leone, mais uma vez dá um show instrumental, e demonstra ser um grande compositor que não se limita apenas ao western. Uma grandiosa trilha sonora, que mesmo não sendo a melhor de Morricone, se torna uma das melhores já feitas.
O filme não recebeu nenhuma indicação ao Oscar em nenhuma categoria, fato que impressiona pela qualidade do filme. Mas isso não importa, pois não tira o brilho e qualidade do filme, apenas contribui para que a maior premiação do cinema perca o prestígio - pelo menos o meu - ao não premiar filmes como este. O fato é que Leone conseguiu maior visibilidade com este filme e demonstrou capaz de ser bom com outros gêneros. Era Uma Vez Na América é um filme espetacular e entra na lista dos imortais da sétima arte. Este e os dois primeiros da trilogia de Coppola estão a anos luz a frente dos outros filmes do gênero - até mesmo de Os Bons Companheiros (The Goodfellas, 1990) e Os Intocáveis (The Untouchables, 1987) -. Dizer que as quatros horas passaram voando soa quase que como um clichê.
Comentários (0)
Faça login para comentar.
Responder Comentário