Quando vou assistir a um filme nunca procuro saber do que se trata. Direção, elenco e repercussão na crítica são o que normalmente despertam o meu interesse. Foi assim com “Ela”, novo filme do diretor Spike Jonze (Adaptação, Quero Ser John Malkovich). Interessei-me pelo filme por causa do ótimo Joaquin Phoenix que me impressionou na obra-prima “O Mestre” de Paul Thomas Anderson. Foi o meu primeiro Spike Jonze. Mas acredito que o poster foi o grande responsável. Parece que há magnetismo naquele poster... cores fortes, um figurino carismático da personagem de Joaquin Phoenix e até seu próprio olhar chama a atenção. Haviam outros títulos interessantes como “12 Anos de Escravidão”, “Clube de Compras Dallas”, “Inside Llewyn Davis” dos diretores que idolatro (Os irmãos Coen), mas o poster me magnetizou.
O filme se passa num futuro não muito distante onde a tecnologia segue fazendo cada vez mais parte do cotidiano das pessoas. Theodore (Joaquin Phoenix), um escritor “fantasma” de cartas, é mais um refém desse sistema. Recém-separado da esposa, vive sozinho em seu apartamento onde passa o tempo jogando vídeo-game e ouvindo e respondendo e-mails (sim ouvindo), uma das características do avanço da tecnologia que é peça fundamental do ótimo roteiro. Nessa solidão tão comum dos grandes centros é comum também as pessoas buscarem refúgio na tecnologia e Theodore encontra um refúgio muito agradável: Samantha (Scarlett Johansson). Mas não pense que a belíssima nos presenteia com sua beleza física. Não. Samantha é um sistema operacional, o OS1, com comando de voz, que assume várias funções, desde de secretária, até amiga íntima. Mas não é um sistema comum... é uma inteligência artificial com a capacidade de evoluir de acordo com as experiências que vivencia. Com um fone de ouvido sem fios e um dispositivo com câmera, tal como nossos smartphones, Theodore compartilha suas experiências com Samantha e mostra o mundo a ela através do dispositivo que carrega no bolso da camisa enquanto caminha pela rua. Com isso ela enriquece suas experiências, tornando-se muito real, com sentimentos e percepções humanas, e sua companhia fica extremamente agradável ao solitário Theodore. Tal como as redes sociais que dominam o mundo e boa parte de nós, ela está presente na vida dele o dia inteiro, até na hora de dormir. A relação entre eles se intensifica e o já previsto acontece: eles se apaixonam. Theodore fica viciado na “tecnologia” e acomoda-se com essa condição.
As semelhanças com a nossa sociedade atual são muito grandes e fica impossível não se identificar. É inegável que a tecnologia se tornou inerente as nossas vidas. Não conseguimos nos imaginar sem ela. Num dia que ficamos sem sinal de internet, parece que o mundo vai acabar, entramos em desespero como numa cena retratada no filme. Falo com propriedade na condição de dependente que também sou. Na vida de uma pessoa solitária ela se faz muito presente, tornando-se uma necessidade. Mas será que esse preenchimento de vazio que ela trás é o suficiente? Deixamos de nos sentir sozinhos? Parece que não. É o que sinto e o que o filme mostra também. Mesmo tendo a presença tão constante de Samantha em sua vida, Theodore sente falta dos bons momentos que viveu com a esposa, da interação, do contato físico, do olhar, dos gestos, das expressões faciais que falam por si só. Apesar disso, é melhor permanecer na zona de conforto. É assim que a maioria das pessoas fazem. E como a vida é mais repleta de decepções do que felicidade, quando resolvemos sair dessa zona de conforto e as coisas não dão certo como queríamos, voltamos pra “lá” com a certeza de que lá é o nosso lugar e dificilmente faremos outra incursão na tentativa de nos relacionarmos com outras pessoas.
Antes de concluir gostaria de falar das atuações. Amy Adams (Amy), que faz uma amiga de Theodore que por conta da solidão também busca refúgio na tecnologia, está ótima como sempre. Rooney Mara (Catherine) aparece muito bem como ex-esposa e nos entrega uma interpretação comovente na cena em que se encontra com seu ex-marido. Joaquin Phoenix continua, como diria Paulo Bonfá, “totalmente excelente”. Tem grande responsabilidade, pois aparece em praticamente todas as cenas do filme, se não forem todas mesmo, não sei... e não decepciona, seja comicamente ou dramaticamente falando. Mas o grande destaque está com Scarlett Johansson que consegue conquistar Theodore e ao espectador também. Não estranhamos o fato de Theodore estar apaixonado pela “máquina”, porque nós também estamos. Ela é simpática, bem articulada e de um humor fantástico que faz todos a sua volta rirem. A interpretação convincente de Johansson torna crível a relação amorosa entre homem e máquina. Nunca pensei que um ator pudesse entregar uma interpretação tão marcante apenas com a dublagem (sem imagens como numa animação), exceto por HAL de “2001”, apesar de ter uma participação menor se comparado com Samantha. Falando de “2001 – Uma Odisséia no Espaço” fiquei com a impressão de uma inspiração em seu futuro colorido e cheio de formas geométricas, no que diz respeito a direção de arte. Sobre o figurino, o de Theodore é marcante e chama muito a atenção por ser retrô, contrastando com o futuro e toda aquela tecnologia.
É um filme lindo, com uma ou duas cenas desnecessárias que não comprometem, que nos identificamos muito com ele. É importante ressaltar também que o filme mostra que atributos físicos não são necessariamente obrigatórios numa relação de amor verdadeiro. Enfim, se o vazio que as redes sociais/internet/tecnologia preenchem é uma ilusão ou não, eu não sei, mas tenho certeza que ameniza a solidão. O que não se pode é ficar totalmente dependente dessas relações, pois se um dia, permanentemente, perdermos o acesso a essas tecnologias por algum motivo, poderemos ficar presos na solidão entre o mundo digital e o real.
Ótimo texto, Jairo.
Concordo com suas colocações, como o problema da dependência da tecnologia, a maravilhosa atuação vocal de Scarlett Johansson e o talento de Joaquin Phoenix pra oscilar entre o engraçado e o comovente.
É um filme que causa identificação em muita gente, com certeza.
Obrigado Patrick! Um elogio de quem escreve tão bem é muito motivador. Valeu!