Não é novidade nenhuma a paixão de Tim Burton pelos desajustados, mas poucas vezes seu sentimento pulsou tão forte em tela quanto nessa cinebiografia de Ed Wood, que deixa, ao fim, a certeza de que poucos diretores seriam mais adequados que ele foi para o projeto – certamente um dos melhores, senão o melhor de sua carreira. Nas mãos de Burton, o cineasta que carrega o desonroso título de pior diretor de todos os tempos torna-se uma criatura não menos fantástica que um sujeito com mãos de tesoura ou um fantasma trapalhão e cheio de bugigangas, embora nunca perca de vista o valor humano e pessoal do artista.
É nesse paradoxo, entre o mito e a realidade, que o filme caminha e entalha a figura sempre absurda do diretor biografado, vivido por um Johnny Depp que talvez entregue aqui a atuação de sua carreira, como um homem cujo amor pela arte cinematográfica é maior até do que sua própria persona, de forma que ele deixa de ser o sujeito comum e passa a se confundir com seus personagens (não à toa o filme explora a imagem de Wood interpretando, por necessidade, alguns papeis nos filmes que produzia e tomando gosto por isso), a ser uma parte dos cenários, a ser o filme em si. Burton, porém, nunca deixa que essa mitificação resvale em uma caricatura grosseira, não só pelo respeito e admiração evidentes que tem pelo sujeito, mas pela compreensão de que mais do que um tributo a ele, trata-se de um tributo ao cinema – em maior escala, à Arte em si.
Esse entendimento faz com que Ed Wood escape de esquemas comuns de biografias levadas para tela grande, dos dramas absolutamente pessoais ao estilo rigoroso de narração, e se apresente como um filme muitíssimo bem humorado, ainda que sua comédia não se alimente do que seriam saídas fáceis como zoar as limitações técnicas e financeiras ou da tentativa de justificar o título questionável de pior dos diretores. O cômico se apresenta no entrosamento da trupe de desajustados (um deles Bela Lugosi, brilhantemente interpretado por Martin Landau, que ficara famoso nos anos 30 por interpretar o Drácula e que mais de vinte anos depois ainda não conseguia se desvencilhar de seu papel), entre atores e produtores, e nas sacadas metalinguísticas que Burton usa e abusa – como na sequência inicial – para dar ao seu filme uma identidade; ou melhor, para dar o filme a sua cara.
Ou seja, homenageia o criador e sua arte, aqui indissociáveis na visão de Tim Burton (gradualmente os personagens do filme vão deixando de ser pessoas e tornando-se os próprios papeis que desempenham, homens tomados pelos ícones que criam), ao fazer dessa cinebiografia uma emulação daquelas produções de baixíssimo orçamento da década de 50, como efetivamente eram os trabalhos de Ed Wood, se valendo para isso de uma fotografia em preto em branco, atuações em registro - propositalmente - amador e um humor que às vezes parece pouco intencional, que dão ao filme não só um charme plástico, mas uma relevância, justamente por se propor a remar contra a maré da indústria tradicional, assim como seu biografado fizera no passado.
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