“De Olhos Bem Fechados” (1999) é o último filme de Stanley Kubrick, uma das personalidades mais singulares da história do cinema, que deixou um marco na sétima arte. Na sua relativamente pequena filmografia (apenas treze obras), encontram-se os mais diversos tipos de filmes, desde películas de guerra (“Dr. Fantástico” e “Nascido para Matar”) até uma ficção cientifica (“2001: Uma Odisseia no Espaço”). Todavia, apesar dessa diversidade de cenários, o melhor das obras de Kubrick está justamente no fator em comum de seus filmes, que é a sua marca registrada: o foco da representação da verdadeira face do ser humano seja para o bem ou para o mal, utilizando de todos os recursos para isso; desde a fotografia e a trilha sonora até cada objeto que aparece nos cenários, tudo possui um significado especial. Nada é entregue “de bandeja”, tudo está nas entrelinhas, esse é o grande barato de ver (e rever) os filmes desse grande diretor. No que viria a ser o seu último filme, Kubrick trouxe esses elementos com um pano de fundo que é, comparado aos seus outros filmes, trivial: o relacionamento de marido e mulher.
A primeira cena, quando os créditos iniciais ainda estão sendo exibidos, é um aperitivo sobre como vai ser essa experiência cinematográfica: Nicole Kidman tirando a roupa de costas, quando a cena é cortada e o sarcástico título do filme aparece na tela. O espectador tem a impressão que o diretor está, ironicamente, censurando-o por olhar as nádegas nuas de Nicole! Logo em seguida, aparece o primeiro diálogo do filme, entre o médico Bill Harford (Tom Cruise) e sua esposa Alice (Kidman). Um diálogo comum entre um casal normal, no seu banheiro (uma espécie de assinatura de Kubrick: todo filme seu tem cenas nos toaletes), antes deles irem para uma festa. Uma família bonita, rica, aparentemente perfeita. Tendo esse casal como ponto de partida, Kubrick quer mostrar que os conflitos que serão apresentados durante o filme acontecem com qualquer tipo de gente, por mais normal que possam parecer.
A trama começa pra valer como casal na festa. No começo, tudo normal. Eles estão juntos aproveitando o evento até que por uma ida ao banheiro (banheiros de novo!) de Alice os separa. Nesse intervalo de tempo em que o casal está separado é que começam a aparecer os primeiros desvios, as primeiras tentações do filme. Alice é seduzida por um húngaro de meia idade enquanto Bill é alvo do flerte de duas jovens garotas. É interessante notar que nenhum dos dois chega a, de fato, trair o seu cônjuge, embora ficasse claro que dentro de suas cabeças a coisa era diferente. Chega um momento em que eles chegam a trocar olhares, mas, depois que eles se reencontram, fingem que nada aconteceu, por enquanto.
Depois de um momento, é que aparece a primeira grande sequência do filme: o casal está tendo uma conversa normal, dentro do seu quarto, até que eles resolvem fumar maconha. Quando ambos estão falando sobre as garotas e o homem húngaro festa da noite anterior sob o efeito da erva, eles acabam cuspindo, ou melhor, baforando a verdade um na cara do outro, quando Alice confessa que, no passado, quando ela já era casada com Bill, já teve fantasias sexuais com outro homem.
Kubrick faz questão de mostrar que a falsidade está por toda a parte. Depois que Bill sai de casa, totalmente atordoado com as revelações da esposa, ele passa a vagar sem rumo por Nova Iorque. Apesar de Alice não ter chegado a traí-lo, a simples ideia de a sua amada esposa ter cogitado a ideia de ter relações sexuais com outra pessoa o enlouqueceu. Mas, por onde quer que ele ande, desde lojas de fantasia, casas de prostituas e clubes de jazz, ele encontra luxúria e as tentações, parecendo que elas só passaram a existir quando ele descobriu a traição “não consumada” da mulher. Até aqui o foco do filme é a mente atormentada de Bill. É fascinante observar que ele chega a ser, nessa sequência, flertado por outras três mulheres, mas não cede à tentação, embora nem sempre consiga ter muita firmeza nisso. O clima do filme, até esse momento, é extremamente melancólico, pelo fato de o cerne do filme ser, até aí, a crise interna de Bill, sobre o que ele quer fazer, sobre o que ele pode fazer e sobre o que ele acha que deve fazer. Ele está completamente desorientado, sem saber para onde ir, pois, onde quer que ele fosse, havia algo que lembrasse a fantasia de sua mulher. Mentiras e fingimentos estão para todos os lados. Kubrick aqui quer acabar com todo o romantismo que existe sobre as relações amorosas e mostrar que a lascívia está presente em todo o tipo de pessoa.
Em um determinado momento do filme, Kubrick muda o seu foco. Quando Bill decide convencer um velho amigo a faculdade a dizer-lhe o local de um evento que ele acredita ser algo parecido com um clube de stripper, mas na verdade é o local de um ritual erótico extremamente bizarro em uma mansão (melhor sequência do filme, realmente espetacular!). O filme ganha, nesse momento, um tom de um thriller, favorecidos pelas excelentes fotografia e trilha sonora. Bill se vê acuado pelo que ele acredita ser uma seita de mascarados que praticam, secretamente, as piores orgias possíveis. Na verdade, esses mascarados são a sociedade, que possui vergonha de seu lado lascivo e mentiroso, o seu lado mais primitivo. Mas, mesmo depois de tudo isso, Bill e Alice concordam deixar isso de lado, sendo que esta diz a última palavra do filme, que representa o que será da relação dos dois dali pra frente: “Fuck”. Esqueça o amor...
Curto muito esse, não entendo o destrato que recebe.
Devo ser o único que prefere esse a Laranja Mecânica😁
Esse filme é maravilhoso, reví há alguns dias atrás e reconheci ainda mais a grandeza de Stanley Kubrick.
Não sei se sou só eu, mas esse me parece o filme mais "pé no chão" do Mestre e, talvez por isso, não seja tão reconhecido. Um filmaço. Um texto espetacular. Não daria 10, mas não acho nenhum absurdo. Meus parabéns!!!