As barreiras imaginarias que compõem um casamento, tudo que mais queremos e fingimos não ver, e claro, a direção mais que perfeita de Stanley Kubrick!
Stanley Kubrick sempre foi um cara extremamente excêntrico, inteligente e com planos brilhantes que podem ser analisados em seus filmes. Em Laranja Mecânica, ponto alto de sua carreira no cinema, fez uma crítica perturbadora e intrigante á violência e ao modo com que a sociedade tenta "curar" a maldade de cidadãos que já a possuem tatuada na alma, e claro que com as cenas fortes da marcante produção, o diretor enfrentou diversas polemicas e enfim foi indicado ao Oscar e sua obra foi considerada um dos maiores clássicos do cinema. Sim, é o mesmo gênio que realizou uma ópera empolgante no espaço com seu revolucionário "2001: Uma odisséia no espaço" e esbanjou loucura e insensatez na adaptação do livro de Stephen King, "O iluminado". Estes são apenas alguns exemplos da habilidade rara e curiosa de Kubrick, o homem que conseguia hipnotizar milhares de pessoas em frente as telas e deixá-las em estado de transe até mesmo horas depois de serem presenteadas com uma de suas produções. Não existem dúvidas de que era um homem curioso, um cineasta magnífico e uma máquina de pensamentos sem igual capaz de deixar qualquer um navegando intensamente em um mar de ideias e exageros.
Foi em 1999, pouco antes de falecer que Kubrick realizou seu último e hipnotizante filme. "De olhos bem fechados" não apenas fechava com chave de ouro uma carreira bem sucedida, era uma prova incontestável de que seu realizador não perdera o jeito com o decorrer dos anos e era tão capaz de filmar uma obra prima como foi capaz com seus anteriores filmes. Aqui, Nicole Kidman e Tom Cruise (em atuações assustadoramente boas) são um casal como qualquer outro, que se depara com a intensa barreira imaginaria que sustenta os casamentos hoje em dia, uma barreira ilusória que se sustenta com base em uma ilusão: Ele(a) me ama, e seria incapaz de se sentir atraído por outra pessoa já que estamos casados! Pois bem, Kubrick cava no mais intimo e turbulento momento de um casamento deixando claro que sempre que possível deixamos nossos olhos bem fechados para não nos decepcionarmos com a realidade estranhamente real da mente humana. Em uma noite qualquer, a personagem de Kidman revela ao marido (Cruise) que havia se sentido fortemente atraída por um oficial da marinha a algum tempo atrás, seu marido abalado com a franqueza da esposa sai no meio da noite dividido entre o desejo de vingança que cresce a cada minuto pela mulher, e entre sua consciência que julga suas atitudes ciumentas um tanto precipitadas. E é sob o céu escuro e sob a sombra de sua mente que o personagem se depara com tudo que fechara os olhos durante o casamento e que na verdade estava esperando por ele por tanto tempo nas ruas imundas e imorais de sua cidade. E acreditem, ele vê muito mais do que queria ver.
Como já é comum nos filmes de Kubrick temos uma muralha de moralidade construída durante todo o tempo para que nós, meros seres humanos possamos julgar como certo ou errado, e mesmo quando julgamos errado sabemos que não é tão... Impossível. Difícil de entender? Nem tanto, mas uma parte de nossa mente acha que sim e este é o objetivo de Kubrick, ver a frágil humanidade de seus personagens espelhada nos espectadores de sua obra prima. Assim podemos chegar à conclusão que o último filme do diretor é muito mais psicológico e atmosférico que quaisquer um dos outros comentados no início deste texto. Vale ressaltar que o diretor morreu pouco antes de finalizar "De Olhos bem fechados" e alguns se arriscam a dizer que o filme não á tão bom por não ter o toque final de Stanley, e sim, esta é a acusação mais ridícula e desonesta que alguém pode levantar contra esta maravilha, logo que a tensão e os aspectos típicos do gênio estão presentes em cada instante.
Tecnicamente primoroso, é dono de uma direção de arte interessante, fotografia ousada e uma trilha sonora que mesmo com poucas notas é capaz de arrepiar qualquer um nos momentos tensos que se desenrolam com o decorrer da trama. O roteiro cuidadoso também é um dos destaques mais notáveis, com toda sua polêmica, momentos intensos, diferentes de tudo que já vi no cinema até então. E são os momentos que fazem tanta gente lembrar-se desta obra com imenso respeito e admiração, claro que muitos não gostam pelo fato de não ser muito agradável se ver refletido em um espelho tão público e moralmente arriscado, mas como esquecer dos misteriosos homens encapuzados naquela casa misteriosa, de Tom Cruise perturbado com o que poderia ter feito e em como os outros podem estar lhe vendo após tudo que aconteceu na "noite das descobertas", da franqueza de uma esposa com seu marido ou simplesmente de Nicole Kidman falando tão fluentemente a palavra "fuck" antes do nome de Kubrick aparecer na tela e levar com ele toda uma carreira, que ficará apenas na lembrança.
Se a perfeição existe, ela está aqui, mascarada em frente ao espelho de nossos maiores desejos e medos, e se esta ideia lhe incomoda, caro leitor, sugiro que continue com seus olhos bem fechados!
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