''Um clássico do horror. Uma direção impecável, uma atuação memorável.''
''Carrie - A Estranha'' (1976) é uma obra única, na qual Brian de Palma demonstra suas qualidades brilhantemente tanto na condução do filme, como na adaptação do mesmo (baseado no romance de Stephen King). A escolha de elenco, trilha sonora, as cenas memoráveis, enfim, tudo é feito com um grau de excelência enorme pelo diretor. Logo na 1ª cena vemos garotas jogando baseball na aula de Ed. Física (algo muito comum nos EUA). Más logo o foco cai sob uma garota, a desengonçada jovem é chamada pela professora de Carrie. Ela erra e faz com que seu time consequentemente perca o jogo, suas colegas de sala empurram-a e lançam à ela olhares de desprezo após o término da partida. Carrie cabisbaixa, vê uma garota fazer um comentário maldoso sobre ela. Logo após o ocorrido todas vão ao vestiário para tomar banho, enquanto a câmera passeia por cada uma das garotas no chuveiro, até que foca em Carrie. A inibida garota tem enfim um momento íntimo no seu banho, más enquanto desliza o sabonete em todo seu corpo suavemente, ela tem uma estranha sensação, é a sua primeira menstruação. Logo sangue escorre por entre suas pernas e se esvai com a água do chuveiro, a garota desesperada clama por socorro, achando que a morte está perto. Suas colegas de classe ao invés de ajudá-la, jogam sob ela absorventes internos, rindo o tempo todo enquanto fazem um coro ridicularizando-a. A câmera mostra as expressões de todas as garotas, uma à uma, todas chalaceando Carrie enquanto a mesma está deitada no chão do banheiro, cobrindo suas partes íntimas, chorando e totalmente inibida. Uma primeira cena mais que sensacional.
Após isso, somos apresentados à protagonista mais profundamente. Ela chama-se Carrieta White, é uma tímida e sensível garota que tem poderes telecinéticos, más não sabe como lidar com isso. Carrie tem uma mãe extremamente autoritária que a ensina que quase tudo ''lá fora'' é pecado, inclusive ter seios (num flashback é mostrado Carrie apenas uma criança, dialogando com uma vizinha, e ela mesma explica que sua mãe disse isso à ela, indignando a moça), menstruar é sinal de fraqueza, enfim, Margaret White é uma fanática religiosa fechada a opiniões alheias, que parece criar sua filha somente para que ela não seja corrompida pelo pecado. Carrie ao menos sabia o que era menstruar, e esse torna-se um dos vários motivos de ela ser por diversas vezes ridicularizada pelos colegas de turma. Ela é uma garota extremamente inibida, que não tem amigos em sua escola e está sempre rezando (devido aos ensinamentos rígidos de sua mãe). Ela não chega a sofrer agressões físicas por parte de seus colegas de turma, más o que a perturba de fato são as agressões verbais diárias, a extrema pressão psicológica das pessoas nela, algo que a deixa profundamente triste e envergonhada. Ou apenas os olhares das pessoas, sempre menosprezando-a (sim, é o tão falado bullying, que ocorre com frequência nos dias atuais).
No 2º ato, De Palma foca o filme na proximidade do baile de formatura da escola, e as sempre altas expectativas dos alunos. Quanto aos clichês de sempre apresentados no baile (típico dos americanos né, ponche, limousine, o casal dançando música lenta ..), De Palma se sai muito bem, mostrando uma perspectiva muito diferente sobre o tão falado e esperado pelos alunos, baile. E o tal baile está bem próximo, e Carrie obviamente não tem um parceiro para ir. Porém, uma de suas ''colegas'' de sala acaba se sentindo culpada pelas atrocidades que foram cometidas com Carrie no vestiário, e resolve então sugerir que seu parceiro à convide para o Baile. O rapaz reluta em aceitar de início, más a moça o convence. Carrie é então convidada para o baile, e no momento que aceita, dá ao garoto um sorriso discreto, pois pela 1ª vez recebeu atenção de uma forma generosa, e não a denegrindo como muitas vezes as pessoas fazem, desta vez sim, de forma simpática. Sua mãe não aceita que a filha vá em tal festa, pois afirma que a partir dai Carrie se entregará totalmente ao pecado. Más mesmo com sua mãe não concordando, Carrie decide ir, porém Chris Hargensen (Nancy Allen), suspensa de ir ao baile por ter debochado de Carrie, decide armar uma situação para que ela seja ridicularizada perante toda a escola.
Por um momento, acreditamos que Carrie será ''recompensada'' pelos alunos, com a votação do ''Rei & Rainha'' do baile, (soaria como um pedido de desculpas aos atos repugnantes cometidos contra ela), porém tudo é uma farsa, tudo é apenas uma ilusão. De Palma parece criar o perfeito conto de fadas para a garota, pra no final tornar tudo um absoluto caos. O abrupto silêncio após Carrie ser coberta por sangue de porco (cena espetacular aliás), é o silêncio da decepção, é o ódio se alimentando por suas entranhas por ver seu sonho se tornar uma piada para aqueles que se acham superiores à ela. Sua mudança de emoções é incrível, por um minuto ela estava vivendo o momento mais feliz de sua vida, sendo ''invejada'' por muitas garotas (ela nunca havia se sentido assim antes), recebendo elogios (Carrie não sabia nem o que eram os elogios ao certo ..) e tendo um raro descanso do clima sempre soturno que reinava em sua casa. Más em um minuto, apenas um minuto, tudo se tornou um horror para a garota e para todos os presentes no baile de formatura de sua escola.
De Palma prioriza sempre a construção de seus personagens e do enredo, do que propriamente as cenas em que ocorre a ação. O diretor adapta uma obra de Stephen King de uma maneira diferente das tantas já adaptadas no mundo do cinema. De Palma coloca na obra uma clara identidade própria, a tal marca registrada. O elenco está muito bem. Mesmo os coadjuvantes, que na maioria, são praticamente totais estereótipos, atuam bem em seus respectivos papéis na trama. Más obviamente quem chama a atenção é Sissy Spacek interpretando Carrie White. Ela incorpora a personagem de tal forma que pensamos ser uma pessoa ''real'' que está ali, sofrendo com tantas humilhações. Sua composição de personagem é perfeita, sua voz está sempre num tom baixo, na escola e na maioria das conversas com sua mãe (um reflexo do medo vivido diariamente por Carrie), sua mudança de expressão no baile, o momento no qual ela fica fora de si, etc. Enfim, tudo se completa numa atuação brilhante, quase perfeita. Piper Laurie também está excelente como a mãe opressora de Carrie, Margaret White. Ela transmite os sentimentos de sua personagem de uma forma excepcional. Sua personagem assusta não só Carrie, e sim o público que assiste. Laurie compõe eficientemente uma religiosa fervorosa com atitudes extremamente rigorosas em relação as escolhas de sua filha.
Mais é de Brian De Palma o maior mérito pelo sucesso de tal obra. Ele a dirige competentemente desde a 1ª cena, até o seu desfecho (com uma música linda aliás). De Palma age corretamente a não apresentar ao fundo as personalidades dos coadjuvantes. Apenas sabemos que muitos deles estão ali somente para humilhar e perturbar Carrie apenas por diversão, e o diretor mostra isso de uma maneira muito eficiente. Ele retira somente o necessário da obra de King (tirando o foco da investigação), e também utiliza a câmera em 1ª pessoa por diversos momentos, trazendo um tom mais real para tais cenas. Há ainda a ótima trilha sonora, muito bem colocada por De Palma ao longo do filme. A obra é eficiente em quase todos os aspectos. Direção, atuações, roteiro, trilha sonora. Um filme daquelas que não poderiam ser refilmados, pois a essência da obra está na época de seu lançamento, o impacto causado naquela época certamente não é tão grande atualmente. Uma obra à ser lembrada por sua história singular, pelo clima eficientemente construído e que vai mudando de acordo com os acontecimentos. Tudo isso realizado de uma forma pelo excepcional pelo diretor. E pensar que não é nem um dos 5 melhores dele .. De Palma é de fato um exímio naquilo que faz, um dos grandes diretores que surgiram no final da década de 60, e felizmente está até hoje na ativa.
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