Em Cão Branco (White Dog, 1983), o racismo, ou melhor os –ismos que Fuller representa são mais do que políticos ou sociais, trata-se ao fundo, sobretudo, de uma busca pela domação da fera, uma humanização.
Primeiramente, White Dog segue uma estética totalmente brutal. Com trejeitos do horror setentista, Fuller impõe uma narrativa semelhante a do giallo, e coloca em volta do objeto central, o cachorro, a posição de psicopata, assassino. É um filme acima de tudo de terror/suspense onde apesar de não ser gore, joga com ações escrachadas e provocativas que elevam o surto do filme a um grau maior. A trilha sonora de Ennio Morricone sincroniza quase o tempo todo com a fera, intimida sempre alguma ação, sugere um ataque quase a todo instante que pouco parece, ou importa qual a cor da vítima que o cachorro ira atacar.
Fuller ao andamento de sua narrativa, trás um exercício psicológico, onde não infere apenas em questões políticas que o tema tem o poder para envolver. Na verdade, pouco há de fato elemento sólido e existente que permita afirmar que tenha alguma questão social sobre o racismo, já que não existe algum debate, mas sim algo mais abrangente. Dessa maneira, não se trata mais de um caso de preconceito, porém sim de humanização, por isso que não é de se estranhar que sua estética e narrativa beire o tempo todo a um exploitation. Mas que ninguém se engane, seu contorno, apesar de marginal, usa daquela mesma clássica narrativa que vemos em filmes da Sessão da Tarde, simplista, pode se querer ai que tenha alguma crítica a esses filmes, mas pelo contrário a utiliza de forma “irracional” e mesmo se utiliza por meio da metalinguagem para compor seu argumento, de que quem construiu aquela fera afinal, fomos nós.
O trabalho de Samuel sobre o suspense, se torna aventureiro, não discute seus temas diretamente, apenas indiretamente, deixa com que o próprio espectador tire suas próprias conclusões. Afinal, trata-se de um filme cheio de emoção, ações e reações que se desencadeam automaticamente em equívocos e falhas das personagens e suas insistentes lutas para reeducar o animal.
Essa fera, no entanto, é o objeto central para Fuller criar seu clímax. Clímaxes melhor dizendo, ou falsos-clímaxes, onde temos a impressão de que tudo pode virar alvo. O cão, então já não é mais aquele bicho que precisa ser exterminado, mas sim uma sedução para Keys (Paul Winfield), o adestrador negro, um propósito para matar a sua indignação de que ainda exista o racismo, um motivo para o qual valeria a pena lutar. Mas nenhuma aproximação com uma fera pode se retirar algum ou qualquer saldo positivo. Irônico e crítico, Cão Branco (White Dog, 1982) é o perfeito símbolo da insanidade mental eterna resultado não de seu instinto, mas sim do seu melhor amigo, o ser humano.
Sim Josiel, também acho que o Fuller tivesse a intenção de fazer uma \"homanagem\", talvez uma crítica a utilização de cachorros no cinema, mas o que acho que mais chama a atenção ainda é a busca pela domação da fera(até por que, em certa parte do filme, não se trata mais de uma simples domesticação de um cão raivoso qualquer, e sim uma luta maior, uma luta contra o racismo que o Keys(Paul Winfield) ve a necessidade de enfrentar, pois essa fera foi criada, afinal, pelo ser humano).
Vejo essa homenagem/critica seja lá o que for, como algo secundário ou apenas complementar, mas não a essência.
É que o Samuel Fuller era um cara muito ligado à montagem né, é um diretor de grandes cenas no currículo. Acho que esteticamente essa questão de ter um \"ator animal\" foi fundamental pra ele optar por fazer esse filme. Mas com certeza não se trata de uma crítica, pelo contrário, trata-se de uma exaltação romântica ao uso de animais no cinema.
Filme acima da média. Muito bom. As cenas da reeducação da fera, como expostas acima, além de muito bem filmada e de uma representatividade impressionante não deixam em nenhum momento cair o suspense, presente durante toda a obra. Ainda fico me perguntando como esses caras conseguiram fazer esse cão \"atuar\" tão bem. Sério. Dá pra sentir uma expressão de ódio nos olhos do animal...