Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças
É interessante ao assistir-se um filme procurar entender o porquê de cada elemento visto na tela: por que o enquadramento foca aqueles personagens em específico? Por que a câmera faz um movimento e não outro? Por que essas cores em específico estão sendo utilizadas na decoração dessa cena? E assim por diante.
As cores, aliás, representam um recurso bastante intrigante e bastante utilizado por diretores para transmitir ao espectador os mais variados significados. Não raramente, por exemplo, as cores das roupas de um personagem nos informam de imediato um caminhão de informações relevantes sobre sua personalidade. Sabendo disso, pense um pouco em Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças. Mais especificamente, na personagem de Kate Winslet, Clementine. Qual a primeira coisa que vêm à cabeça? Suas diversas colorações de cabelo, utilizadas em diferentes pontos da produção.
Por que aquelas cores foram utilizadas ao compor a personagem? Bom, abaixo discuto o significado por trás da escolha de cada cor, buscando uma interpretação para cada uma delas na própria psicologia da personagem, algo bastante defendido pelo psicanalista Carl Jung em seus estudos:
A primeira cor com a qual a personagem surge é o azul. Durante as primeiras cenas, vemos a aproximação de Clementine e Joel (o personagem de Jim Carrey) e percebemos que, apesar das diferenças óbvias na personalidade de ambos, eles estabelecem uma aproximação imediata entre si. A partir disso, podemos constatar que, ao contrário do que poderia se julgar, o significado do azul aqui foge do mais óbvio – a frieza – e representa um outro significado, por vezes esquecido: a harmonia, o bem-estar. A harmonia de Clementine com seus próprios sentimentos e com a relação estabelecida com Joel.
O que culmina no belo momento em que, deitados lado a lado na neve, os personagens estão exatamente onde desejam estar.
Porém, logo acompanhamos Clementine, com o mesmo azul nos cabelos, ignorando Joel. O que não é de se estranhar, afinal a personagem se submeteu à operação que apagou o amado de sua memória após o término da relação. Portanto, aqui sim, a frieza característica ao azul se aplica.
É então que, ao descobrir que Clementine decidiu esquecê-lo com a ajuda da Lacuna Inc., Joel decide passar pelo mesmo procedimento.
É nas memórias do personagem que acompanhamos o término da relação deles, quando Clementine surge com uma nova tonalidade de cabelo: o laranja. Essa cor, assim como o azul, simboliza dois estados emocionais da personagem bastante diferentes entre si:
Se aqui, no término da relação, representa o descontentamento da personagem com o atual estado do relacionamento e o ponto final da saída pela porta para não mais voltar, posteriormente, ela simboliza a confiança que uma parte do casal tem no outro. O ponto alto da relação, onde a comunicação e a espontaneidade flui naturalmente de um lado para o outro.
Voltando um pouco mais nas memórias de Joel acerca do relacionamento com Clementine, chegamos ao ápice da paixão entre ambos. Tempo de risos, diversão, beijos apaixonados e claro, o cabelo vermelho de Clementine. Nada mais adequado para simbolizar a paixão do que a cor mais quente de todas.
E é aí que chegamos ao ponto mais fundo das lembranças da relação de Joel e Clementine: o começo de tudo, quando ambos se conhecem em uma praia e iniciam o que viria a lhes fazer tão bem e tão mal.
A cor do cabelo da garota nessa ocasião? Verde.
A cor da fertilidade (o amor que estava brotando ali) e a cor da esperança que ambos tem de se encontrar novamente, mesmo após ambos terem esquecido um ao outro. A cor que simboliza o desejo de se encontrarem novamente em Montauk.
E é após essa cena que a operação de Joel atinge o seu fim. Mas, antes de conluir a “extinção” de Clementine, o subconsciente do personagem tenta se agarrar à uma última imagem da garota. À uma última lembrança. E qual Clementine ele escolhe? A do cabelo vermelho. O auge da paixão de ambos.
Retornando à uma vida onde ambos não se conhecem devido às operações pelas quais passaram, Joel e Clementine se reencontram – lembra de como o filme e esse texto começou? – e devido à interferência de Mary (Kirsten Dunst), funcionária da Lacuna Inc., relembram que já se conheciam e já se relacionaram, tendo esquecido um ao outro devido à ruína dessa relação.
É aí que Clementine se desespera ao ouvir o que Joel pensa – ou pensou/pensará – sobre ela. Quando novamente a cor de seu cabelo – azul – simboliza seu sentimento de sofrimento, melancolia, pelas duras palavras ouvidas em uma fita.
Mas, se logo no começo desse texto mencionei que o azul em Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças não guarda um único significado, aqui volto a frisar isso: quando Joel e Clementine, mesmo cientes da possibilidade de se decepcionarem e terminarem novamente, decidem se dar uma nova chance, o azul volta ao seu significado de harmonia, de bem-estar entre eles. Algo simbolizado além da cor, pela risada espontânea de ambos.
E o que se segue à essa cena? A imagem de Joel e Clementine brincando em uma praia coberta pela neve. Algo que pode tanto significar a lembrança de um momento que vimos anteriormente na mente de Joel, como uma nova memória, uma representação do que vivenciarão nessa nova vida à dois.
Mas, independente da real significância dessa cena, seu significado é explicitado pela cor vermelha novamente presente nos cabelos de Clementine:
Eles estão felizes. E apaixonados.
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