A VERSÃO MAIS PRÓXIMA DOS QUADRINHOS E DESENHOS ENCONTRA EM TIM BURTON O CONDUTOR PERFEITO PARA SEU ENIGMÁTICO PROTAGONISTA
Mesmo considerando a trilogia de Christopher Nolan a versão definitiva do Homem-Morcego, tenho um carinho todo especial pelos filmes de Tim Burton que tanto alegraram minha infância. Mesmo que Joel Schumacher quase tenha posto tudo a perder com os dois últimos capítulos daquela franquia, lembro-me de ficar maravilhado com as cenas que reproduziam aquilo que eu tanto admirava nos quadrinhos e nos desenhos. Bem, os anos foram passando e aquela abordagem foi ficando ultrapassada, necessitando urgentemente de uma nova roupagem (thanks, Mr. Nolan). Aquele tom cartunesco e fantasioso, voltado especialmente para o público infanto-juvenil, caíra em descrédito desuso e o personagem acabou ridicularizado e abandonado. Ouvi de certas pessoas que esta saga do Batman era ruim, infantilizada e não merecia ser revisitada. Creio que estas pessoas só se lembrem dos mamilos e da bundinha empinada dos uniformes, do cartão de crédito, das frases de efeito de Mr. Freeze e do Bane mais insuportável da história. Espero que consiga, com este simples, modesto e despretensioso texto, defender Batman (1989) e instigar seus detratores a compreender melhor qual a proposta do diretor, mesmo que alguns deslizes feios sejam mais do que salientes.
Inexplicavelmente trazendo Michael Keaton no papel do cobiçado bonitão milionário Bruce Wayne, o filme não explora seu real protagonista, dedicando-se quase que por completo ao antagonista Jack Napier, O Coringa (Jack Nicholson,em uma das mais inspiradas interpretações da carreira), abordando suas origens, sua personalidade e sua influência para a existência do Batman. Quando criança, esse fato sequer me passou pela mente. Mas depois de certa idade, intrigou-me o fato de que pouquíssimo é realmente falado, mostrado ou questionado sobre Bruce Wayne e como ele tornou-se o Batman. Apenas sabemos que quando criança viu os pais serem assassinados e tornou-se o Homem-Morcego. Só. Não sabemos como ele superou ou enfrentou este trauma, nem como ele aprendeu a lutar, nem o porque dos morcegos e muito menos como consegue seus utensílios. Já o vilão recebe toda a atenção possível por parte de Burton e dos roteiristas Sam Ham e Warren Skaaren, que desde o início já o colocam à frente das ações (para se ter uma idéia, o nome de Jack Nicholson surge primeiro nos créditos iniciais e o de Keaton em segundo!)
A gótica (desculpem o trocadilho) Gotham City é retratada como a Chicago dos anos 30 e 40, porém com formas abstratas e elementos quase futurísticos em sua arquitetura. Sua vista panorâmica assemelha-se demais com a Gotham dos quadrinhos, com prédios gigantescos que parecem tocar o céu. Porém, quando a câmera “desce”, suas ruas são frias e caóticas, seus becos são escuros e tomados pelo crime e seus habitantes ariscos e individualistas. Nesse cenário, Jack Napier, o Coringa, assumirá o comando do crime organizado da cidade, espalhando o terror e disseminará ainda mais o caos com sua insanidade.
Burton nunca foi bom em lidar tensão/atração sexual entre seus personagens, deixando a relação de Bruce Wayne com a fotógrafa Vicki Vale (Kim Basinger, no auge de sua beleza) em um tom morno e distante demais. Em momento algum sente-se paixão entre os dois personagens. Embora uma frase de conotação sexual fique martelando a minha mente até hoje: “Certo dia eu estava no banho, quando me toquei que estava destinado a grandeza...” dita pelo Coringa à Vale, deve ter sido improvisada por Nicholson, pois a maneira como ele a pronuncia e olha para a atriz é doentia. E se apesar dos altos e baixos a direção de Burton é bastante agradável, a trilha sonora do grande Danny Elfman não é menos do que espetacular. A música tema é clássica e todas as músicas feitas para as cenas do Coringa são extremamente bem executadas, até mesmo aquelas compostas pelo excêntrico Prince, principalmente na épica cena da invasão ao museu e no desfile dos 200 anos de Gotham. Assim como a maquiagem de Derek Meddings, que fez um excepcional trabalho em Jack Nicholson, deixando-o idêntico ao Coringa clássico dos HQ’s. A Parte técnica do filme é ótima, como em todos os filmes de Burton.
Mas como eu disse lá no início, algumas situações ilógicas e forçadas e opções equivocadas chamam a atenção no filme. Primeiro de tudo: Harvey Dent negro??!! Pra quem não sabe, ele é o Duas Caras, que tem até o cabelo claro. Depois, foi a primeira aparição do Batmóvel. O Batman simplesmente sai do museu com Vale e o carro está lá, do lado de fora e não chamou a atenção de ninguém na rua. Assim como na cena inicial, onde a família assaltada está procurando um táxi e entra em um beco escuro, em uma atitude inexplicavelmente burra. Na primeira aparição de Bruce Wayne, por exemplo, Knox e Vale procuram pelo Comissário Gordon – que eles viram que acabara de ir embora – e entram em um salão fechado da mansão Wayne. Ora, eles viram Gordon ir embora! Sem falar do letreiro luminoso escrito “Cirurgia” em uma porta velha em um beco escuro – mais suspeito impossível. Mas existem outras que são forçadas demais apenas para manter o bom humor, como a cena do jantar entre Bruce e Vale, que é bastante engraçada.
Mas é inegável: a atuação de Jack Nicholson é de outro mundo. Se “o Coringa é um papel perigoso”, como ele afirmou certa vez para Heath Ledger, o icônico ator tira de letra a demência e a perversidade mórbida do personagem e o torna insanamente carismático. Até mesmo a sombria e melancólica cena de sua morte traz um tom de humor negro muito bem empregado pelo ator, seja na expressão congelada de seu cadáver, seja na angustiante cena anterior a sua queda.
Batman se mostra muito bom por não se levar a sério e por assumir-se como adaptação juvenil do super-herói mais sombrio de todos os tempos. Traz aquela atmosfera surreal e fantasiosa, depressivamente bonita já característica do cinema de Tim Burton, alavancou a carreira de Michael Keaton e fincou de vez o nome de Danny Elfman entre os grandes compositores do cinema. Traz Jack Nicholson na melhor fase da carreira e mostrou que nem só do Superman viviam os filmes de super-heróis.
Os filmes do Burton são bons filmes de herói, um pouco fanfarrões é verdade. Já os do Nolan ultrapassaram essa barreira de super herói. Mas concordo que o Cavaleiro das trevas é muito diferente do Batman do Burton mesmo.
Os filmes do Nolan são excelentes filmes num contexto geral. Considero TDK um dos grandes filmes policiais dos anos 2000- além da malhor adaptação de HQ já fetita.
Gosto bastante deste também, embora concorde que tenha datado em alguns quesitos. Jack Nicholson é gênio e consegue uma atuação magistral, mesmo com um roteiro meio cafona em mãos. E a comparação com a trilogia de Nolan é quase impossível, visto tratar-se de perspectivas bem diferentes do personagem. A trilha sonora, a direção de arte, a fotografia e a direção inventiva de Burton fazem deste um exemplar ainda relevante da saga.
Consigo ver muitas referências aos filmes de Burton nos de Nolan, talvez por ser fã dos dois!