No alto de uma montanha esverdeada, com o céu azul e ensolarado, uma jovem noviça canta alegremente “The hills are alive” em pleno ar de seus pulmões, enquanto dança entre as árvores e salta nas pedras de um córrego. Ela admira toda a beleza da natureza e sente a paz e a liberdade provenientes daquele lugar paradisíaco, ao passo que vai encerrando sua canção, dizendo que seu coração será abençoado com o som da música para novamente cantar entre as colinas.
Talvez seja essa a cena mais famosa de “A noviça rebelde”, musical estadunidense de 1965 que se tornou um grande clássico “família” e é prestigiado até os dias de hoje, considerado um dos maiores musicais já feitos em Hollywood. Dirigido por Robert Wise, que já havia feito o também cultuado musical “Amor, sublime amor”, o filme já carrega mais de quarenta e cinco anos nas costas e ainda continua encantando públicos de todas as idades com seu charme e encanto que nunca envelhecem.
A obra narra a história de Maria, uma noviça que não consegue lidar com as normas do convento que vive por ter um espírito excessivamente livre e amar demais a natureza. A madre superiora do convento a manda para a mansão da família Von Trapp, onde moram sete crianças bagunceiras e o pai nervoso e autoritário, sendo encarregada de cuidar de todas elas. Com o passar do tempo, as crianças e a noviça vão criando fortes laços afetivos, principalmente com o poder da música que as juntou, unindo toda a família novamente. Quando o nazismo começa a tomar espaço, seus laços familiares terão que ser maiores do que qualquer obstáculo no caminho.
O roteiro é ingenuamente fantástico. A história é belíssima e reforça sempre a importância da família, de amar o próximo e cultivar a humanização numa época tão horrível quanto foi o nazismo, mostrando isso através do poder que a música pode ter nos corações das pessoas. A trama envolvendo Maria, uma mulher inocente e pura, que vai crescendo interiormente junto com as crianças e com toda a família (A inclusão da baronesa no filme reflete que a superficialidade e o materialismo não têm espaço naquele lugar, mas sim o amor e a esperança cultivados pela noviça), simultaneamente desenvolvendo um lindo conto de afeto e ternura entre pais e filhos é fascinante.
A obra possui um primor técnico a frente de seu tempo e que surpreende até para os parâmetros atuais. Tudo parece estar perfeito sincronismo, seja a trilha sonora, a fotografia, o roteiro, seja a iluminação peculiar e cuidadosa, que faz muita diferença em diversas cenas, por exemplo, quando Maria e o capitão finalmente assumem que estão apaixonados um pelo outro e a luz fica tão intensa que só observamos as sombras do casal se beijando. Mesmo tendo uma duração excessiva, alongando a trama desnecessariamente, a narrativa e o ritmo da produção são deliciosos de se acompanhar.
A trilha sonora do filme é uma das mais magníficas já feitas no cinema, composta pela ótima dupla Rodgers&Hammerstein. Todas as músicas tem um encanto ingênuo que emocionam quando cantadas com tanta alegria pelos personagens, “The sound of music” e “Do Re Mi” são músicas tão esplêndidas que são decoradas com uma rapidez espantosa, “My favorite things” e “Climb every mountain” são lindas e trazem belas mensagens, e pra quem ainda não viu o clipe de “Wind it up” da Gwen Stefani, em que ela faz uma homenagem bizarra a faixa “The lonely goatherd”, recomendo dar uma conferida.
Além de tudo isso, a fotografia também é maravilhosa. Destacando principalmente as grandes colinas esverdeadas e o céu azulado quando ao ar livre, numa visão panorâmica feita de helicóptero, parece até que as montanhas estão realmente vivas, dando uma harmonia magnífica ao filme. Quando em lugares fechados, como na mansão da família ou na igreja onde Maria se casa, temos um espaço tão lindo e cheio de detalhes que fica difícil para a câmera captar toda a grandeza daqueles cenários fabulosos.
Por mais que Audrey Hepburn e Doris Day tenham recusado o papel, Julie Andrews era a atriz perfeita para encarnar a jovem Maria, com seu vocal incrível e sua performance radiante como a noviça, que acabou transformando a personagem num ícone do cinema e se estabeleceu como uma das atrizes mais lembradas pelo público. Mas o resto do elenco também não deixa a desejar, Christopher Plummer está ótimo e charmoso como o capitão Von Trapp, Eleanor Parker encanta como a baronesa, apesar de ter uma aparição menor que os outros atores, Richard Haydn tem um ótimo desempenho cômico como Max Detweiler, todo o elenco está estupendo e memorável.
É também uma película extremamente católica, que só reforça a imagem de um filme feliz feito pra toda família, o que pode incomodar algumas pessoas, mas não chega a ser um defeito. A protagonista já está treinando pra ser freira, mas parece que seu espírito livre e rebelde não a deixa exercer a profissão. Quando ela é mandada para a mansão dos Von Trapp, tudo começa a desandar pra Maria, indo de mal a pior, mas quando ela reza na beira de sua cama e pede a Deus que abençoe aquela família, por mais cruel que tenha sido, tudo parece melhorar e as crianças vão ao seu encontro e iniciam um relacionamento afetivo com ela. Mais tarde, quando o capitão e a baronesa estão de casamento marcado, Maria foge da casa atormentada pela sua atração sexual por ele, indo ao convento novamente, mas é encorajada pela madre para seguir seu coração e seus desejos, cena que na época foi cortada em alguns países mais conservadores.
Simplesmente inesquecível, essa obra-prima encantadora dos anos sessenta comprova que música é o verdadeiro pulmão da humanidade, o remédio para espantar todos os males da vida. Um clássico que se mantêm atual e apaixonante, que continua marcando presença depois de décadas pulsando vida, mesclando músicas incríveis, atuações excepcionais, fotografia maravilhosa, gerando uma mistura charmosa e belíssima que resultou num dos filmes mais adorados já feitos.
“The hills are alive with the sound of music” – Maria
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