A Imigrante, de James Gray, é um filme de situação e personagens nela inseridos. Como hábito, tais personagens são envolvidos, não em uma trama pré-estabelecida, mas sim num desenrolar natural de acontecimentos que os levam a chocarem-se uns contra os outros, sendo expostos, a partir desses encontros, sentimentos bons e ruins, que acabam por levá-los a extremos que não são naturais deles. O centro de raciocínio do diretor são as relações interpessoais, não o cenário, este por sua vez, funciona como catalisador. Pela primeira vez, Gray faz um filme de época, mais especificamente, ambienta sua história nos pós-primeira grande guerra mundial, e os efeitos sociais causados por este momento histórico são os responsáveis por desencadear os acontecimentos da obra.
Estabelecendo com eficiência o período dentro de sua narrativa, Gray facilmente se aproxima de seus personagens, adentrando no seu íntimo a partir do primeiro momento que surgem. Um exemplo dessa aproximação se dá através da Ewa de Marion Cotillard, que em sua primeira aparição já expõe um espiral de sentimentos que lhe tomam, onde já se torna possível absorver uma infinidade de informações a seu respeito, as expressões da atriz também se tornam responsáveis por isso, mas a câmera de Gray, a trilha sonora ritmando a cena, não tem igual.
A mesma cena é a cena de abertura do filme. Estamos no local por onde imigrantes - personagens autorais e auto-biográficos de toda a filmografia de Gray - chegavam à America a todo momento, milhares deles amontoados pelo o ambiente, já estabelecendo assim as claras dificuldades que encontrariam e marginalização que sofreriam. A cena se estabelece a partir da personagem de Cotillard, sua chegada ali, seu choque com a hospitalidade hostil, com a burocracia forçada e os boatos que se espalhavam ao vento ao seu respeito, e que nos deixa, de fato em dúvida da sua índole, apesar dela se mostrar frágil naquele momento, são detalhes que aproxima espectador e personagem, já que Gray não afirma, ele lança no ar e nos faz observar e sentir.
Cena a cena, o diretor vai captando os passos de Ewa, a moça inocente que chegou, vai ganhando contornos a mais nem tão inocentes assim, a cada passo que dá ao interior de uma America corrompida, ela é levada a passar por cima de qualquer principio que tenha. Afinal de contas, sobre exatamente isto que trata-se o filme, sobre limites que pessoas comuns alcançam ou são forçadas a alcançar em prol de apenas sobreviver. A representação do continente das oportunidades que Gray faz, é de um lugar corrompido e injusto, onde os mais fracos não possuem escolhas a não ser a submissão, os mais fracos neste caso são os imigrantes, assim como Ewa. Uma exceção na obra é a sua primeira imagem, a estátua da liberdade e um lento zoom out, uma ironia melancólica de Gray.
Mas não necessariamente Gray observa apenas um dos lados, ele aborda um contexto por completo, se aqui sua personagem principal deve subverter as próprias crenças para se manter viva, o personagem de Joaquin Phoenix, Bruno Weiss, o cafetão que se aproveita de varias imigrantes, incluindo Ewa, traz uma complexidade em sua natureza que é assustadora. Phoenix possui uma versatilidade tão grande, que encarna todas as facetas do personagem de modo tão genial, que nos convence que todas elas são reais de fato. Ele surge na historia como um homem bondoso, influente e amigável, que deseja ajudar imigrantes mulheres - mas só as que falam inglês - e assim conhece Ewa, porém aos poucos vai revelando características obscuras, como explosões de raiva, manipulação e sede de poder, o que o torna um ser repugnante ao longo da historia, mas aos poucos vai ficando obvio que sente por ela, um amor doentio, um amor que abre mão já que vê nela a chance de lucrar com a sua prostituição, a qual ela esteve fadada desde o momento que pisou na America, e assim se configura nele também a subversão de valores em prol da sobrevivência.
Apesar de o filme estabelecer conflitos sociais, o foco sempre são os personagens e suas variações quando em contato com outros, seus sentimentos aflorando-se através de experiências extremas, suas motivações sendo diluídas a partir do choque com uma realidade traumática. Transbordam através deles um tsunami de impressões que lhes tornam únicos, e mesmo que tragam diversas características, muitas delas até contraditórias, cabem na historia e nas intenções de Gray, de relatar a viagem sentimental que a é própria vida. Então nos resta a desoladora cena final, onde um espelho reflete o apaixonado Bruno, em um última ato honrado, se afastando bem ao lado de uma janela onde vemos um barco levando Ewa embora, na direção contraria. Imagem forte, filme forte. Obra de arte filmada.
Esse, dessa semana não passa.
Porran,e eu que já deveria ter assistido e só faço adiantar... Tenho que parar de beber e sentar pra assistir um filme
Bela Crítica Ravel! É o melhor filme dos últimos 5 anos, também vou escrever o meu texto hehe.
Vlw Darlan...não acho o melhor, mas está entre!!