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Guilherme de Almeida Prado - Breve relato


Guilherme de Almeida Prado iniciou sua carreira como assistente de direção em filmes produzidos na famosa Boca do Lixo paulistana. Não por acaso, ficou marcado por um cinema intrinsecamente paulista. Muito por conta de seu terceiro longa-metragem como realizador: A Dama do Cine Shanghai (1987), lembrado por uma estética que ficou conhecida como neon-realismo. Junto dos filmes Cidade Oculta (1986), de Chico Botelho, e Anjos da Noite (1987), de Wilson Barros, compôs um cinema urbano com características noturnas e ligadas à maior metrópole do Brasil.

No entanto, a carreira de Prado é muito mais rica do que o seu filme mais conhecido. Infelizmente, não é possível acessar o primeiro filme do realizador: As Taras de Todos Nós (1981). A obra nunca foi telecinada e a cópia disponível se encontra na Cinemateca Brasileira. Atualmente, por conta do descaso público com o maior acervo de filmes do Brasil - que chegou à situação de a instituição estar devendo a conta de luz -, há o real risco de perdê-lo, assim como tantos outros filmes. Uma tragédia sem dimensões para a memória do cinema brasileiro.

O segundo filme de Guilherme de Almeida Prado, A Flor do Desejo (1984), é o primeiro a ser acessível para o público. Em contraposição à ideia de que Prado era um cineasta tipicamente paulistano, o filme é rodado na cidade de Santos, ao redor do porto da cidade e radiografa uma série de tipos que vivem naquela região. Marcado por morte, desejo e paixão tão comuns ao estilo do diretor, a obra ainda não revelaria o seu interesse pela artificialidade e pela discussão que se torna motriz de sua obra: o que é realidade e o que é ficção? O que já se destacava seria o talento de Guilherme de Almeida Prado e seus interesses temáticos que perdurariam até o fim de sua carreira.

A Dama do Cine Shanghai

A Dama do Cine Shanghai (1987) é o filme mais conhecido do realizador. Aqui, o interesse de Guilherme de Almeida Prado pelo cinema de gênero, pela artificialidade e pelo embate entre ficção e realidade ficam mais evidentes. Ele também iniciaria sua parceria com a atriz Maitê Proença e com o ator José Lewgoy, presenças que ficariam marcadas em sua carreira. Especialmente Lewgoy, que participaria de seus três filmes seguintes. Premiado como melhor filme no festival de cinema de Gramado, A Dama do Cine Shanghai estabelecia Guilherme de Almeida Prado como um dos principais diretores de sua geração.

Entre a produção de A Dama do Cine Shanghai e o filme seguinte de Prado, Perfume de Gardênia (1992), veio a presidência de Fernando Collor de Mello e o fim da Empresa Brasileira de Filmes (Embrafilme). Assim, a produção cinematográfica brasileira se tornou muito parca. Entre os vários cineastas brasileiros que interromperam completamente a sua produção, Guilherme de Almeida Prado, nesse estado crítico, concebeu sua obra-prima. Nos créditos, é possível ler: “Um filme brasileiro de Guilherme de Almeida Prado”, marcando a decisão de fazer uma obra, apesar das dificuldades inerentes no país àquela época. Seja na narrativa de Perfume de Gardênia, seja no seu contexto de produção, Guilherme de Almeida Prado declarava sua paixão pelo cinema.

Perfume de Gardênia

No mesmo período entre A Dama do Cine Shanghai e Perfume de Gardênia, Guilherme de Almeida Prado roteirizou a história em quadrinhos Samsara (1991), em parceria com o desenhista Hector Gómez Alísio. Baseada em um roteiro de ficção científica, que seria impensável de ser produzido no Brasil no início da década de 1990, Prado descartou a ideia de um filme e criou uma bela história em quadrinhos, publicada pela editora Globo.

Glaura (1995), o único curta-metragem de Guilherme de Almeida Prado, é um episódio de um projeto de longa-metragem. A “Retomada” do cinema brasileiro é comumente lembrada como ocorrida em meados da década de 1990, por conta da produção cinematográfica que retornava às salas de cinema. Aqui, há algo curioso. Naquele momento, com o surgimento de jovens realizadores no país, Guilherme de Almeida Prado parecia, pela primeira vez, um diretor veterano. Alguém que viveu a “fase heróica” da Boca do Lixo, que já fazia parte do passado.

Essa condição de veterano fica mais clara em A Hora Mágica (1999), um O.V.N.I. inserido no meio do cinema realista da retomada. Esta seria, talvez, a obra mais pessoal de Prado. A questão de realidade e ficção se torna o centro de A Hora Mágica, no qual atores fazem mais de um papel e uma nostalgia do passado salta aos olhos (e ouvidos) na radio-novela que costura o filme. Prado repete a parceria de Glaura com Julia Lemmertz. A atriz propicia a atuação mais antológica dos filmes do cineasta, conhecido por ser um grande diretor de atores. Lemmertz veste o vestido vermelho (cor marcante nos filmes de Prado) como ninguém e solidifica sua figura na carreira do diretor e do cinema brasileiro.

Onde Andará Dulce Veiga?

O filme seguinte de Guilherme de Almeida Prado é lançado longos dez anos depois de A Hora Mágica. Onde Andará Dulce Veiga? (2007) é uma adaptação do livro do escritor gaúcho Caio Fernando Abreu. Os dois tem obras marcadas pelo interesse na cultura pop, nos gêneros narrativos e no excesso. A parceria não poderia fazer mais sentido. Além disso, Guilherme de Almeida Prado revisita sua carreira e traz vários atores e atrizes de filmes anteriores. Traz até referências de seus filmes antigos, criando uma condição de autorreferencialidade que nunca havia sido tão forte como em Onde Andará Dulce Veiga?

Por último, Prado dirigiu A Palavra (2018), que ainda não teve seu lançamento oficial. Que ele tenha feito um novo filme, de novo, dez anos depois de seu último, é basilar para destacar as contínuas dificuldades de produção do cinema brasileiro. Assim, o especial de Guilherme de Almeida Prado que aqui se inicia, olha para o passado, é claro, ao resgatar a obra de um dos realizadores mais importantes e interessantes do país. Todavia, também deseja olhar para o futuro e pensar que o diretor ainda tem muita lenha para queimar e que continue a fazer filmes por muito tempo. Os espectadores agradecem.

O especial do Guilherme de Almeida Prado discorre sobre um dos principais diretores do cinema brasileiro das últimas quatro décadas. Um realizador que manteve uma unidade estilística admirável ao longo de sua carreira e, apesar de poucos filmes, protagonizou diversos momentos marcantes da cinematografia do país, como o final emblemático de A Hora Mágica (1998). Neste especial haver-se-ão seis críticas de filmes do diretor compostas integralmente por redatores do Cine Players: Ted Rafael, Igor Guimarães, Lucas Reis e Clara Couto. Além de uma entrevista com o diretor e um relato da sua carreira por Lucas Reis - idealizador do especial.

Materiais do Especial

Entrevista | Guilherme de Almeida Prado, por Lucas Reis

Críticas

A Dama do Cine Shaghai (1987), por Igor Guimarães
Perfume de Gardênia (1992), por Lucas Reis
Glaura (1995), por Lucas Reis
A Hora Mágica (1999), por Lucas Reis
Onde Andará Dulce Veiga? (2007), por Clara Couto

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