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Especial de Halloween: os filmes de terror que marcaram o Cineplayers

John Carpenter divide seus filmes prediletos entre aqueles que viu quando criança, pois crê no poder do impacto daquilo que experimentamos em nossos anos de formação; e aqueles que viu em outro período de formação, a profissional, sendo esses os filmes que lhe deram a bagagem para se tornar um "mestre do horror".

Por coincidência, essa dualidade entre memória afetiva de infância e admiração, digamos, madura sobre o trabalho de grandes autores da sétima arte foi o que encontrei quando fiz a seguinte pergunta aos meus colegas de Cineplayers: "Quais são os filmes de terror mais influentes da vida de vocês?".

Assim nasceu o novo Especial de Halloween do Cineplayers. E o resultado é uma compilação que não reflete, necessariamente, os filmes de terror prediletos da redação, mas são, sim, aqueles que mudaram — de algum modo, mais cedo ou mais tarde — a visão de cada um sobre o gênero.

A seguir, você confere as obras que fizeram uns se tornarem aficionados pelo cinema de horror e outros pelo cinema em si. Alguns de nós perdemos o preconceito, outros críticos perderam o medo ou apenas o aceitaram como algo inevitável e bom de experimentar como um elemento de sua paixão pelo cinema. Como um dia disse Dario Argento:

O horror é o futuro
Não precisa ter medo
Você deve levar tudo ao máximo limite ou sua vida vai ser um saco
As pessoas vão ser um saco
O horror é como uma serpente;
Sempre trocando de pele, sempre mudando
E sempre vai voltar
Não pode ser mascarado como as culpas secretas que tentamos guardar em nosso subconsciente

Monstros (1932), Tod Browning

As gerações que cresceram assistindo a filmes na televisão aprenderam a gostar de filmes de terror desde cedo, desde a tenra idade. Comigo não seria diferente, porém descobri uma extensão mais significativa acerca do gênero lendo sobre Monstros (Freaks, 1932), até então inacessível e o filme maldito por excelência, como maldito deve ser nem que seja um pouquinho cada filme de terror nesse mundo. No caso de Freaks, maldito pelos cortes na estreia, os 30 anos interditado e a circulação pouco acessível e difícil ainda ao final do século XX — mas o que me impressionava era ler sobre a mistura de grotesco e ternura humana, que se confirmou ao finalmente assisti-lo depois do lançamento em DVD. Há quem invoque que é mais drama do que terror, porém não apenas ele é inclassificável em sua mistura de gêneros (tem até mesmo comédia em alguns momentos!), como os elementos de terror se fazem perfeitamente integrados (não fosse ainda dirigido por um dos mestres do gênero), e nos faz perguntar: qual grande filme de terror não é também um drama, e muitas vezes um drama profundo? Ainda mais quando se aprofunda em relação ao diferente, sejam deformidades ou minorias grupais ou étnicas, ou zumbis, vampiros ou quaisquer outras criaturas indesejadas e que causem repulsa ou estranhamento. Ou ainda a questão de quais são, ou podem ser, os verdadeiros monstros nesse mundo? Descobrir Freaks era reconhecer uma dimensão que pode ser localizada desde sempre em menor ou maior escala em um gênero ao qual crescemos juntos, amadurecemos e vamos envelhecer sem que ele nos canse de fascinar.

Vlademir Lazo


Os Inocentes (1961), Jack Clayton

Há filmes de terror bons, outros ótimos, e alguns até mesmo excelentes. E existe Os Inocentes (The Innocents, 1961). Em 1961, quando o Reino Unido vivia o auge do momento “Free Cinema”, uma espécie de espelhamento do movimento da Nouvelle Vague que rolava simultaneamente do outro lado do Canal da Mancha, e que se preocupava em contar histórias contemporâneas sobre a realidade do homem e da sociedade do pós-guerra, o cineasta Jack Clayton, que estava com o cacife em alta por ter dirigido dois anos antes o clássico Almas em Leilão (Room at the Top, 1959), um dos expoentes do movimento, foi no caminho inverso. Em vez de voltar os seus olhos para os dramas cotidianos do proletariado inglês, Clayton optou pelo retorno ao estilo clássico de cinema a partir da adaptação do romance “A Outra Volta do Parafuso”, de Henry James. O tempo provou que ele estava certo. Devidamente rebatizado para a sua versão cinematográfica, Os Inocentes é um conto gótico sobre uma governanta (Deborah Kerr) que é contratada para cuidar dos órfãos Miles e Flora, na mansão do condado de Bly. Logo ela percebe a estranha conduta das crianças, que parecem ser ainda influenciadas pelos antigos funcionários da casa, a angelical Srta. Jessel e o misterioso Peter Quint, ambos falecidos em condições nunca explicadas. Como acontece com as verdadeiras obras-primas, Os Inocentes transcende as limitações do seu próprio gênero. Para tanto, Clayton vale-se de uma espetacular fotografia em preto-e-branco (colaboração do craque Freddie Francis), que usa e abusa da profundidade de campo; do terror sugerido, que evita os sustos fáceis e óbvios; de uma constante e incômoda tensão no ar (inclusive sexual), de uma das melhores interpretações de Deborah Kerr (tente não se arrepiar de medo na cena em que ela é surpreendida por uma aparição na janela); e de um final enigmático e que admite diversas interpretações. Então ficamos assim: se algum dia alguém lhe perguntar qual o melhor filme de suspense/horror do mundo, Os Inocentes é a resposta.

Régis Trigo


O Que Terá Acontecido a Baby Jane (1962), Robert Aldrich

Seria justo considerar que O Que Terá Acontecido a Baby Jane (What Ever Happened to Baby Jane, 1962) é um acontecimento maior dentro do domínio do cinema como cultura pop do que do gênero de filme de horror. O longa nos deixa, afinal, não só a presença conjunta de duas gigantes do cinema clássico, Bette Davis e Joan Crawford, como um amplo arquivo midiático de relatos dos bastidores. Temos, assim, um filme que nos permite uma sensação de proximidade com os processos e as interações que são parte da criação de cinema em Hollywood. Mas é justamente aí que se insere o seu elemento de horror, e o que faz da obra um exemplo brilhante do gênero. O terror de Baby Jane, afinal, é o de uma indústria que descarta suas atrizes, que sustenta um circuito de imagens em que o corpo feminino que envelhece é um corpo estranho e deslocado. No hagsploitation, subgênero de que Baby Jane faz parte, as personagens se veem presas a esse circuito claustrofóbico de imagens, reféns da própria tela que as rejeitam.

Cesar Castanha


As Três Máscaras do Terror (1963), Mario Bava

Com seus DVDs vendidos em saldão das Americanas, foi a Works que me apresentou o cinema zumbi com Despertar dos Mortos (Dawn of the Dead, 1978), de Romero, e, mesmo sem que eu tomasse consciência disso a princípio, o horror italiano. Pois entre os DVDs daquele cestão de filmes estava As Três Máscaras do Terror (I Tre Volti Della Paura, 1963). O título não era um completo desconhecido para mim, pois já sabia que seu título em inglês, Black Sabbath, havia sido o responsável por batizar a banda Black Sabbath, os pais fundadores do Heavy Metal. Ainda adolescente e antes mesmo de saber quem era seu diretor, Mario Bava, essa obra não apenas me apresentou Boris Karloff, mas impressionou com seu senso plástico tremendo. Praticamente uma coletânea de diferentes modulações do gênero, "O Telefone" é um giallo em curta-metragem, ameaçando sensualidade com obsessão, o clássico conto de Eros e Thanatos tornado famoso pelos italianos. Já "O Wurdulak" traz Karloff em uma história de vampirismo gótico na Rússia feudal com uma atmosfera gélida e arrepiante. E por fim, "A Gota D'água" fechava com uma historieta de assombração, em que elementos cotidianos são organizados em uma sinfonia ritmada de cores e sons com resultado apavorante, cujas influências são nítidas em obras como Poltergeist - O Femômeno (Poltergeist, 1982), Arraste-me Para o Inferno (Drag Me To Hell, 2009)) e Atividade Paranormal (Paranormal Activity, 2007). Tudo pontuado pela narração de Boris Karloff, que quebra a quarta parede em uma divertida brincadeira metalinguística em que Bava exibia de maneira lúdica sua habilidade como o esteta maior do cinema italiano.

Bernardo Brum


Onibaba – A Mulher Demônio (1964), Kaneto Shindô

O susto é o medo ao desconhecido, aterrador e desequilibrante, é o primeiro encontro com o demônio de Onibaba. O medo ao conhecido perigo que se aproxima é o pavor, é o segundo encontro, a materialização do pânico eternamente na memória do globo ocular. Aceitar esta sensação imprime tanto nos personagens, como no espectador, um constante embate entre o fascínio em explorar a descoberta do terror e o receio perturbador do poder destrutivo daquela criatura que até pouco vivia apenas imerso no pior dos nossos sonhos. Ritmados pelo tempo dos bambuzais, Kaneto Shindô transforma o desejo proibido de Hachi e de sua amante em paixão, entretanto, a marca da maldade do diretor japonês se dá quando suas sombras eclipsam a luz dos rostos filmados em exuberantes primeiros planos, enterrando-nos, todos, pobres mortais, dentro de uns dos pesadelos mais emblemáticos da história do terror mundial.

Igor Guimarães


A Noite dos Mortos-Vivos (1968), George A. Romero

Zumbis são corpos putrefatos que, por algum motivo, caminham e se alimentam de carne humana. Embora já existissem no cinema em sua encarnação haitiana vudizística, é o grande mestre George Romero que dará a esses monstros a potência caótica e canibal que possuem hoje. A Noite dos Mortos-Vivos (Night of the Living Dead, 1968) já seria um arrombo apenas por criticar a hipocrisia da família burguesa, o racismo e a Guerra do Vietnã. Mas Romero decide criar um monstro novo, terrível, nem morto nem vivo, que ama comer cérebros. Embora a “Bíblia” zumbi só tenha sido escrita no seu segundo filme sobre o monstro, Despertar dos Mortos (Dawn of the Dead, 1978), é aqui que esse ghoul levanta do cemitério, com seu caminhar cambaleante, atrás de Bárbara. O resto é história. <Atenção! Spoilers!> Surpreendida pelo fenômeno dos mortos levantarem de seus túmulos, Bárbara vê seu irmão se tornar um deles. Perdida, encontra um grupo de sobreviventes encurralados em uma casa de campo. Mas o real embate ocorre entre os vivos: Ben, o jovem que salva Bárbara, entra em conflito com o pai-de-família-conservador Harry. Sem estratégias, todos saem mortos. A menina Karen, zumbificada, come sua própria mãe. Ben sobrevive aos zumbis, mas é morto por um grupo de caipiras armados. E nada mais foi o mesmo depois disso.

Maria José Barros


O Bebê de Rosemary (1968), Roman Polanski

A maior sensação experimentada aqui é a do desconforto. Dos filmes da batizada Trilogia do Apartamento, é em O Bebê de Rosemary (Rosemary's Baby, 1968) que Polanski, a cores, assim como em O Inquilino (The Tenant, 1976), pinta a tela com uma ameaça latente. Pouco é visto, pouco é mostrado, mas a cada enquadramento do cineasta francês o incômodo aumenta. Desde a gênese da fita, não só o tal bebê, mas tudo naquele apartamento, do chão ao teto, da mobília às portas vizinhas, tudo parece conter uma aura ameaçadora. Os que moram ao lado do jovem casal, por mais ingênuos que pareçam à primeira vista, graças a uma direção paradoxalmente sutil e pulsante, demonstram-se detentores da alcunha do mal. Nada escapa a uma lente do cineasta que torna o objeto mais banal, como um simples vaso, um objeto a ser temido. O porquê a gente não sabe, mas o sentimento é experimentado – e à flor da pele. Polanski é dos cineastas que mais despertam e modulam o medo em nível de excelência. O Bebê de Rosemary foi, muito provavelmente, o primeiro filme a me causar espanto de fato, a ponto de ficar inquieto na poltrona. Detalhe: sem monstros ou jumpscares. Dos maiores filmes de sua década, a brilhante época sessentista.

Marcelo Queiroz


O Exorcista (1974), William Friedkin

Renan diria que eu fui um guerreirinho quando criança. Pois, ao mesmo tempo que o cinema de terror era um gatilho para o meu sonambulismo, eu não parava de ver (escondido) os filmes do Jason, Freddy e Chucky. Era tão vidrado na figura icônica desses assassinos quanto nas lendas (não tão) urbanas que a molecada mais velha contava sobre Poltergeist - O Fenômeno (Poltergeist, 1982) e O Exorcista (The Exorcist, 1973) — supostos filmes malditos que teriam massacrado suas equipes por terem mexido com forças ocultas malignas, e por isso provocariam sons estranhos na casa de quem os visse. Isso me despertava o mais completo fascínio. Mas eu nunca os tinha visto... Corta pra 2000. Com 14 anos eu enfim veria O Exorcista. E reveria minha visão de cinema. Sou abarrotado de imediato e por completo. Primeiro, pela habilidade do filme em me causar absoluto pavor, como nunca sentira antes. Depois, porque, pensando em retrospectiva, Willian Friedkin reúne dois aspectos que eu mais viria a admirar em audiovisual: atmosfera e (sua extrema) capacidade de manipular os nervos do espectador. E por ser um filme de horror tão bem roteirizado, que ambienta tão bem sua premissa para depois encadear, de forma coesa, diferentes set pieces de um horror também variado (do psicológico ao escatológico, do subversivo e profano à exploração de signos religiosos como um refúgio). Pela progressão contínua de conflitos, personagens e da força crescente de Pazuzu ao longo da trama, até desaguar num final tanto potente quanto condizente. Pelo espanto de ver toda sorte de efeitos visuais tão bem feitos em plena década de 1970. Enfim, poucas vezes eu fiquei tão impressionado com um filme quanto com O Exorcista. Ali eu descobri que o cinema de horror ia muito além da bagaceira B ou das fórmulas batidas do slasher movie — muito além! Ali eu descobri que minha lista de filmes prediletos tinha espaço pra um puta filme de terror.

Rodrigo Torres


O Massacre da Serra Elétrica (1974), Tobe Hooper

Se hoje me dedico ao cinema, tanto escrevendo, exibindo e produzindo, afirmo que isto é graças aos filmes de horror. Nos tempos de criança nos idos dos anos 90, crescendo em cidade pequena sem grandes ofertas do que fazer, as locadoras eram saídas que proporcionavam viagens caseiras. Algumas secretas, já que estas horrorizavam familiares. As viagens mesclavam animações e ficções que pintavam corpos de vermelho escarlate. Slasher, termo que aprendi muitos anos depois, representava bem meu interesse no cinema à época. O acesso ilegal era garantido por pessoas próximas pouco preocupadas com o que tanta carnificina visual poderia gerar na cabeça de uma criança. Estranha coisa para se dizer, mas era assim. Uma das lembranças mais marcantes não é visual, mas sonora: o aflitivo som de uma serra elétrica que cantava aos desesperados e garantia profunda angústia representando pavor numa obra sem trilha. Com 7 anos, assistindo alguém gritar enquanto fugia de um homem enorme empunhando sem cuidado uma serra elétrica pode ser realmente marcante. E foi. Leatherface se transformou numa figura mítica que trabalhou com sentimentos estranhos em minha cabeça. Era difícil entender tudo aquilo: o desespero, as mortes, os gritos. O porquê. O filme em si e sua crueza documental escurecida. Anos depois, com uma bagagem cinéfila maior, abarrotada por considerável parte dos lançamentos oitentistas e noventistas, o gênero se consolidou como predileto, pela imaginação e concepção de um universo condenável, por suas representações e incômodos sensoriais, pela sedução ao proibido e perigoso que se chocava com meu ceticismo. O som da serra ainda persiste na memória. Agora não mais com medo, mas com nostalgia e estranha gratidão pelo que o filme, em meio a tantos outros, fez por mim. Sempre me declarei ao cinema, mas as flores foram lançadas ao terror e a franquia O Massacre da Serra Elétrica (The Texas Chain Saw Massacre, 1974—), especialmente o original dirigido por Tobe Hooper, foi um dos grandes responsáveis por esta paixão, apesar de ter me custado arrepios e pesadelos. Assim são as paixões.

Marcelo Leme


Prelúdio Para Matar (1975), Dario Argento

Dois homens conversam sobre amenidades em um praça. De repente, ouvem um grito desesperado. A reação assustada dos personagens é, basicamente, a mesma do próprio filme, que engendra um agressivo zoom out assemelhando-se a uma chicotada, tamanha a violência. Esse momento dá a tônica de Prelúdio Para Matar (Profondo Rosso, 1975). Primeiro porque pega o espectador desprevenido e, de forma contraditória, o insere na obra, ao mesmo tempo em que se afasta dos personagens. O protagonista Marc, um dos sujeitos que estava na praça, fica obcecado com o assassinato. Sua fixação o faz penetrar em um universo específico, uma espécie de “mundo-pintura” onde tudo é estilizado. Argento trabalhava com uma característica que se tornaria comum nos filmes de horror italiano, os famosos giallo ao transformar a morte em um evento estético. Mais do que sangue, Helga, a moça assassinada, está coberta por vermelho. A intensidade e a espessura do fluido corporal hipnotizam personagens e espectadores. Esse mergulho em uma dimensão artística faz parte do próprio Prelúdio Para Matar, que faz referência explícita a Janela Indiscreta (Rear Window, 1954) e Blow-Up - Depois Daquele Beijo (Blow-Up, 1966) ao criar um personagem obcecado por uma imagem — para não restar dúvidas, David Hemmings protagoniza o filme inglês e o filme italiano. Nada melhor que adentrar na cinefilia com um diretor que reconhece no cinema o seu lugar de obsessão.

Lucas Reis


Halloween - A Noite do Terror (1978), John Carpenter

Ainda lembro de uma sensação libertadora que me impelia a burlar as recomendações do meu pai — cumprindo, com questionável correção, o protocolo da função paterna — e sentar à frente da TV, durante as tardes de 1996 e 1997, para acompanhar o Cine Trash na Band. “Filme de terror é coisa de adulto, tu não tem idade pra isso”, dizia ele antes de sair para o trabalho. À época, eu era um garoto de aproximadamente 7 anos, fase perfeita para uma criança ser convertida em cinéfilo ou psicopata. Nesse mesmo período da infância, Micheal Myers trilhou o caminho da carnificina; eu, por outro lado, escolhi o da cinefilia. Entretanto, Meyers e eu nos encontramos numa memorável tarde de inverno (talvez não fosse inverno, no Sul o frio não escolhe estações, mas uma lembrança muito vívida desse dia é a de morder a manga de um moletom até estraçalhá-la com os dentes), numa dessas sessões vespertinas que reconfigurariam minha relação com as imagens e com o cinema. O encontro desencadeou uma obsessão que coordenou boa parte dos esforços da minha cinefilia, um caminho sem volta pelo universo do horror e do fantástico; um impulso por desbravar todas as possibilidades daquele mundo tão perturbador, seus diferentes cenários, suas ameaças misteriosas e máscaras por trás das quais escondiam-se figuras ameaçadoras como Myers. Entre prateleiras com VHSs empoeirados e fóruns de downloads obscuros, as aventuras pelo horror sempre responderam ao encontro com aquela primeira lâmina suja de sangue (que pode ter sido em Halloween I, IV ou V, essa lembrança sinceramente me escapa — e tampouco importa), elemento crucial de uma série que, reavaliada hoje, é o marco fundador de todo um imaginário do horror americano (slasher movies & derivados). Halloween - A Noite do Terror (Halloween, 1978) não reivindica o nome do famoso feriado por acaso, pois certamente ressignificou tudo que é relativo a ele — para mim e tantos outros da mesma geração.

Daniel Dalpizzolo


O Iluminado (1980), Stanley Kubrick

O Iluminado (The Shining, 1980) foi, possivelmente, o primeiro grande filme de horror ao qual me afeiçoei. Não fã confesso do gênero, fui rapidamente fisgado pela jornada de uma família a um hotel que deveria servir como porto seguro financeiro, uma caixinha segura em tempos difíceis, e acabou se tornando o cemitério para aquilo que conheciam como lar. Kubrick tomou liberdades criativas para filtrar do livro aquilo que casava com sua visão, deixando de lado monstros e demais fantasias que tornariam o filme mastigado – e teve que lidar com a ira dos fãs mais ferrenhos e do próprio Stephen King, que odiou as mudanças – para focar na trama mais intimista do pai de família que enlouquece, sugado pela alma demoníaca que habita o hotel. É um filme muito bom visualmente (os amplos salões), que consegue ter várias passagens marcantes (o triciclo, as gêmeas, o bar, a sequência do banheiro, o sangue no elevador etc) e ainda desenvolver seus personagens dentro de um universo fantástico sem perder nossa atenção. Pode não ter a profundidade social como outros clássicos de horror costumam metaforizar, mas sempre será aquele filme que me fez ter medo pela primeira vez – e gostar de me sentir assim.

Rodrigo Cunha


Sexta-Feira 13 (1980), Sean S. Cunningham

Dizem que eu era uma criança muito ligada ao terror — era só o que queria ver, na TV ou no videocassete, assim que foi comprado o da família. As pessoas estavam certas, eu realmente usava o cinema de gênero como um refúgio e uma resposta às minha próprias inseguranças e dúvidas com a sexualidade; era uma válvula de escape do muito real, uma saída para a fantasia em que eu era uma criança corajosa e decidida. Como eu tinha algo em torno de 11 anos, ficou perdido na minha memória se o meu primeiro filme alugado foi o Halloween - A Noite do Terror (Halloween, 1978) do Carpenter ou o Demons - Filhos das Trevas (Dèmoni, 1985) do Lamberto Bava. Mas minha infância já vinha sendo construída pela imagem de Jason Voorhees nas "sessões globais". Embora tenha assistido ao segundo capítulo antes — ou seja, conheci o serial killer de Crystal Lake antes de sua origem —, o primeiro Sexta-Feira 13 (Friday the 13th, 1980) tem uma antologia de momentos que carrego cinefilia afora, até hoje. Os rostos desconhecidos de Kevin Bacon e Amy Irving não importavam tanto quanto a figura da precursora Pamela Voorhees, uma das matriarcas mais assustadoras da história do cinema. Se Sean S. Cunningham nunca voltou a realizar nada que sequer arranhasse essa experiência, e ainda que seu trabalho não configure em qualquer manual de antologia da autoralidade, pro pequeno Junior, o "mata ela, mamãe... não deixa ela escapar, não deixa ela viver...", assim mesmo, dublado em português com uma voz que até tenta recriar um agudo infantil proferido por Betsy Palmer, variou-se sempre entre o arrepiante e o profundamente prazeroso, o desencadeador principal para as pequenas falhas sarcásticas e irônicas que organizaram na formação da minha personalidade. Sim, eu acho que meu sarcasmo descende, de alguma forma, do clã Voorhees.

Francisco Carbone


Hellraiser - Renascido do Inferno (1987), Clive Barker

A definição de uma experiência via o terror pútrido pode ser medida pelo nível de podre que a fita contém. Desde tripas espalhadas à criação de mitos asquerosos. Aqui vemos a abordagem do sobrenatural no esculhambatório do
sebento. Pelo Clive Barker. A criação dum universo macabro numa decupagem que explora a claustrofobia através do temor não só pelo desconhecido, mas pelo tom de proximidade sexual, e por vezes purulenta, que nos desafia a contemplar a fita. Uma cacofonia suja e líquida, tal qual tripas sendo esfregadas num chão sujo. Uso dos tons em vermelho saltam no trato da carne com vísceras expostas que ensejam uma catarse dúbia entre dor e prazer, mais próxima do que nos apetece conhecer. Um adentramento tácito ao horrorífico em planos fechados que explicitam a violência extremada. E nisso sentimos o drama. O medo, a adrenalina, o nojo. A sequência do ressurgimento de Frank e seu esgueirar pelo sótão é a imagética do maligno. Como um intestino viscoso e podre se arrastando. Isto que causa o Hellraiser - Renascido do Inferno (Hellraiser, 1987). O impulso pelo asco. Maravilha. E o aparecimento de um mito? O Pinhead como o líder cenobita responsável pela dor, tortura e prazeres daqueles que procuram. Tornar-se-ia um dos grandes monstros do horror com seu visual escroto e seu discurso obscurecido. Simplesmente para nos mostrar que dor e prazer estão sempre presentes em conurbação. E – no nosso mais interiorizado íntimo humano seboso – sabemos que é verdade. Basta isto para entender como este filme mudou minha perspectiva acerca do horror.

Ted Rafael


O Silêncio dos Inocentes (1991), Jonathan Demme

A dimensão do horror e do mal era redefinida através de O Silêncio dos Inocentes (The Silence of the Lambs, 1991) e até hoje não encontrou outro nome à altura no cinema. O Hannibal Lecter de Anthony Hopkins não persegue suas vítimas com um facão, não esconde sua identidade atrás de uma máscara, não volta do mundo dos mortos, não necessita de nenhum desses recursos para transmitir o horror e encarnar o puro mal. Isolado em sua jaula, ele passa a maior parte do filme imobilizado, mas sua existência ecoa o tempo inteiro e para além de seu alcance físico. Estudado e escrutinado pelas análises forenses, ele é perfeitamente descrito e catalogado em sua natureza criminosa, mas nenhuma racionalização ou ciência é capaz de lidar com a ideia de um homem civilizado que pratica canibalismo. Sua maldade é simplesmente impossível de assimilar. Do lado de fora, o tempo corre e uma vítima padece nas mãos de outro serial killer, de natureza e motivação ainda desconhecidas. É no lidar com o impossível, no compreender a verdadeira natureza humana em seu lado mais abstrato e obscuro, no se despir de qualquer limite moral, psicológico, emocional, racional, que a mocinha Clarice Starling (Jodie Foster) precisa mergulhar para vencer os dois monstros, para superar o próprio passado, para deixar de ouvir os lamentos dos carneiros, e conseguir, no fim de tudo, voltar para a luz da razão. Nenhum filme de terror explora tão a fundo o conceito fundamental do verdadeiro medo: tudo aquilo além da compreensão. É quando as luzes se apagam, quando os gritos da vítima cessam, e quando de repente Clarice se vê sozinha e perdida na toca do monstro, que enfim a escuridão do mal nos engole por completo — e o que sobra é apenas o instinto de sobrevivência.

Heitor Romero


Pânico (1996), Wes Craven

Desde os primórdios que o terror foi esse gênero extremamente mutável, talvez o gênero que mais tenha passado por fases no cinema, e quando Kevin Williamson e Wes Craven deram vida a Pânico (Scream, 1996), era inaugurado um novo marco zero para a exploração do medo, no caso, através da relação com o próprio Cinema. Transformando o assassino da vez numa pessoa de carne e osso (e por isso mesmo, tão capaz de ser ferida quanto os outros personagens), Craven e Williamson repensavam a própria história e proposta do terror, mais especificamente do slasher, e num misto invejável de equilíbrio entre o horror e o humor. Pânico ainda surpreende não só por sua capacidade de nos fazer rir enquanto nos assusta, mas por todas as transgressões de fórmula que alcança através da modulação trágica da história de Sidney Prescott, a primeira final girl a tirar sarro de todo o legado das próprias final girls. Pânico representa um tempo, uma geração e uma nova identidade pra todo um gênero, e não é à toa que, mais de 20 anos após seu lançamento, tantas continuações, prequels e derivados tenham tentado replicar seu êxito — óbvio, sem a mesma felicidade do primeiro chute entre Craven e Williamson.

Rafael W. Oliveira


A Bruxa de Blair (1999), Eduardo Sánchez, Daniel Myrick

Lembro do sibilar gélido do vento nas folhas secas das árvores. Ao meu redor, era só o que eu ouvia. Hoje sei que era apenas isso. Mas, naquela distante madrugada, enquanto caminhava a passos rápidos e firmes, eu tinha a certeza de estar sendo perseguido por alguma entidade. Não havia ninguém à vista por centenas de metros. Mas parecia haver. Subitamente, em meio à paranoia de horror que anuviava minha mente, o poste que iluminava a rua se apagou. Era o que bastava. Não hesitei. Disparei em uma corrida atrapalhada, quase de olhos fechados, parando somente ao chegar em casa, sem fôlego. Essa foi a impressão que A Bruxa de Blair (The Blair Witch Project, 1999) deixou em mim após a primeira vez que assisti à obra. Nunca fui de me impressionar com filmes de terror. Porém, aquela caminhada, após uma sessão junto a um grupo de amigos na casa de uma vizinha, eu nunca mais esqueci. Hoje, talvez, A Bruxa de Blair não tenha mais o mesmo impacto. O found footage virou um recurso batido. A mitologia se esgotou. Mas, no final dos anos noventa, o realismo proposto por Daniel Myrick e Eduardo Sánchez – que ia desde a estratégia de divulgação ao que se via em tela – funcionou brilhantemente. A imersão do espectador naquele universo era completa. O medo daqueles três amigos em cabanas no meio da floresta era palpável. A bruxa parecia ser real. Claro que não era. Mas parecia. E aquela minha traumatizante caminhada solitária, em uma escuridão nada convidativa, após quase duas horas de exposição a um dos mais profundos horrores psicológicos que o cinema recente produziu, é a prova disso.

Silvio Pilau


A Vila (2004), M. Night Shyamalan

Em 2004, Shyamalan estava em seu auge, e sua fama e popularidade vinham de sua constância em entregar obras verdadeiramente atmosféricas e autorais. Hoje, passados mais de 20 anos da explosão de O Sexto Sentido (The Sixth Sense, 1999), isso não se sustenta. Mas A Vila (The Village, 2004) ainda fez parte desse pacote de terror e suspense que chegava aos cinemas com a intenção de causar verdadeiros calafrios e, de quebra, ainda surpreender em seu clímax com alguma revelação que virava a obra do avesso. A Vila é todo sobre atmosfera, uso de cores para denotar sentimentos, silêncios que dizem mais do que grandes diálogos. A Vila é um pacote de terror completo, com suas personagens misteriosas, direção de arte de época e rural de encher os olhos, à espera de momentos de terror que, quando finalmente chegam, chegam quase sempre por caminhos fora do ordinário. É aquele terror que é bom por que sabe o que e quando mostrar, e o que e quando não mostrar. Talvez seja o último grande filme do diretor que chegou a ser comparado com o Mestre do Suspense — Alfred Hitchcock. E, até 2004, com absoluta justiça.

Alexandre Koball

Comentários (1)

Carlos Eduardo | sábado, 31 de Outubro de 2020 - 01:44

Régis falou tudo, pra variar.

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