Saltar para o conteúdo

Rollerball - Os Gladiadores do Futuro

(Rollerball, 1975)
?
Sua nota

Críticas

Cineplayers

Manutenção dos privilégios ou revolta individual escrota?

9,0

Rollerball. Um jogo violento como válvula de escape da natureza do capital humano? Instinto inerente ou construção social? A fita aqui presente vai de encontro a uma crítica não só ao autoritarismo, mas ao comando da individualidade. É a luta por emancipação de pensar e agir – dito isso vamos ter em mente a necessidade do cuidado no debate quando tocamos no papo de liberdade de expressão irrestrita, por exemplo; que é uma jumentice comprovada aliás. E sobre questões de controle temos o tal competição brutal sob o comando das empresas privadas que mandam e desmandam frontalmente na sociedade comprando-a não com ideais, mas com um conforto estabelecido (a realidade oportunizada envernizada por um anti-individualismo), e que para tal função intencionar-se-ia a força da obediência populacional para a manutenção dos privilégios. São escolhas de roteiro de William Harrison que adaptara a obra de sua própria autoria Roller Ball Murder (1973), que o autor aposta na crítica ácida interligada à ação acachapante e brutalizante. Para causar o choque mediante uma marretada. Dentro de toda esta esculhambação temos este rude jogo Rollerball, que de esporte sangrento administrador de tesões coletivos, vai à escape revolucionário de resistência unívoca duma figura só. Jonathan E.. 

Temos o protagonista que é uma grande figura do Rollerball, que, como fora citado, é um esporte agressivo que na primeira camada é feito para o entretenimento de massa, mas adentrando em sua estrutura vamos percebendo intenções escusas nele por parte da corporação que o controla (Energy). Manter a idiotia alienada não é só a diversão, mas é implicado subconscientemente que se perceba a desimportância do mérito da singularidade humana já que se aplica um esquema de destruição de corpos no jogo ou de uma aposentadoria compulsória, que é o caso de Jonathan E., o personagem principal da brincadeira. Proibir o surgimento de lideranças quaisquer que sejam é salutar para o esquema de manipulação, afinal um sujeito com o poder de algo que as massas adoram poderá ser uma puta ameaça. Por isso a Energy deforma cada vez mais as regras do certame para cortar Jonathan E., que teima em não se aposentar. A fita logra em dar dicas visuais desde o primeiro terço do material, como no zoom-in fora do estádio saindo da galera em polvorosa gritando o nome de Jonathan E. – num pós-jogo vitorioso –, e indo para a torre da empresa. Aquele plano de desconfiança que aponta uma relação de poder conflitante crassa.

Este sci-fi, que se encaixa entre a ficção científica new wave e o movimento proto-cyberpunk, abarca temáticas mais mundanas do gênero no que concerne à estupidez, ganância, e controle humano; tais quais as vertentes citadas palavras atrás. Foca em aspectos sociais e políticos decisórios da vivência comum e em como a população reage a tal. Ao mesmo tempo que lida com um crescimento tecnológico graúdo em prol de grandes corporações capitalistas, porém difere-se do cyberpunk a posteriori por não mostrar a degradação física do universo, mas, sim uma degradação moral e política, que necessitaria de alguém para resgatar o tesão por liberdade. E é aí que entra uma confrontação sagaz desta fita: Conforto X liberdade. As corporações possuem não um ardil, mas uma argumentação moldada em resultados – pelo menos segundo a maioria das fontes oficiais e discursos em geral, mas o contraditório dessa utopia não é mostrado no filme. E este argumento é o conforto. Com o fim do grosso das desigualdades sociais o que as agências privadas controladoras pedem é a obediência sistêmica. Ora, é uma puta alegação. Tu curas o crime e a pobreza e pede em troca a conformidade com as ordens. Inclusive não aponta com tanta força o braço musculoso/armado das empresas, o faz de forma cínica, quando não subliminar. Nisso a galera fica anestesiada pela alienação. Inclusive por conta do parco acesso à informação. Ora, se esta alienação já é programada com seus supostos bálsamos, nada mais óbvio que a sistemática das informações seria de manuseio das companhias, que regulam os esquemas resumindo todos os livros escritos, recondicionando-os e excluindo o que for nocivo à máquina político-econômica vigente. Inclusive metem um computador esquisito de memória líquida para ser o guru informativo, numa cena deslocada do filme, mas que acaba por funcionar mediante sua própria esquisitice e pela inépcia do indivíduo percebida por Jonathan E. quando busca respostas.

A bestialidade acaba por ser parte duma tessitura opulenta da riqueza. A total falta de empatia. Como nos mostra a cena dos abastados em teor orgástico ao tocarem fogo em árvores através de tiros. O velho tesão armamentista usado como crítica aqui. Ora, o conforto mediante a suficiência promovida pela abstração social cega abriria um vácuo moral a ser preenchido com alguma coisa que trouxesse dopamina e adrenalina aos corpos. Por isso os exemplos de atrocidades distribuídas – e permitidas – são sintomáticos à complementação desses corpos. Com salvas de palmas. Esta provocação gera reflexão. E se esta utopia se funcional fosse, valeria a troca da liberdade pelo conforto? Quem tem o mínimo desse conforto responderia revoltosamente de pronto, mas e quem não tem acesso a comodidades? Sob que égide podemos julgá-los? Por isso que a escolha do filme é prostrar-se mediante um de seus maiores vencedores populares como um revoltoso ao fim. Alguém que deliberadamente se coloca contra um sistema de opressão ao livre pensar/agir. Uma figura que passa por uma transformação mediante a percepção de mundo que se avoluma por conta de proibições sociais (esposa que a corporação tira) e laborais (“pedidos” de aposentadoria compulsória por parte da Energy), e nisso é provocado internamente a buscar quem realmente é. A identidade de um bruto. Já que o jogo visa demonstrar a futilidade da identidade – desimportante considerada ela é –, então sua força contra este sistema é a demonstração de individualidade e soberania de escolha. Sem concessões e sem aceitar os presentes que o bem-estar vem a oferecer. Jonathan E..

Por ser uma fita que revela vários níveis de debate, suas referências acabam por transparecerem claramente. Admirável Mundo Novo (Brave New World, 1932) Aldous Huxley é pautado na assepsia enganadora no universo, que a utopia é vendida com tesão colaborativo; Ray Bradbury com seu Fahrenheit 451 (1953), pode ser sugestionado no assunto do manejo de informações sobre os livros, a dificuldade em obtê-las num regime autoritário; Laranja Mecânica (Clockwork Orange, 1971) do Stanley Kubrick é exemplo crasso (e gigantesco) de trato com a violência urbana e como podemos refletir com ela, algo que Rollerball busca expor sob camadas variadas as funções sociais do ignorante jogo. A termos de influências a posteriori, o filme de Norman Jewison fora uma virada de chave nos materiais sobre esportes sangrentos e suas variações como ocorre em O Sobrevivente (Running Man, 1987), além da obra escrita  homônima do Stephen King, temos o adendo do vício televisivo por controle e destroço (uma pauta perfeita para os anos 80 aliás) – algo que a refilmagem de Rollerball (Rollerball, 2002) do John McTiernan tenta se apegar –, que tem um jogo sangrento como mote de brutalidade e crítica; obras outras seguir-se-iam a referenciar Rollerball como o romance Battle Royale (バトル・ロワイアル Batoru Rowaiaru, 1999) de Koushun Takami, e seu filme de 2000 do Kinji Fukasaku, entre outras influências abusivas e abusadas. Porém a mais gaiata dela é Corrida da Morte – Ano 2000 (Death Race 2000, 1975) de produção do lendário Roger Corman, que ao saber da existência do projeto Rollerball, resolveu logo fazer o seu de baixo orçamento com tom satírico e canalha. Lançando-o 2 meses antes obviamente. Um puta filme sagaz para o sci-fi, Rollerball segue uma jornada graúda entre seus pares na epistemologia da ganância selvagem via porradaria crítica.

Um ritmo cadenciado nos entremeios da ação. Não sem demonstrar uma sagacidade empregada na escolha dos planos imbuídos de significado, como quando em meio a uma festa a câmera percorre a curtição desenfreada dalguns enquanto passa na frente de uma mulher chorando, afinal, mesmo numa suposta utopia vendida, há aqueles que estão descontentes. As mulheres bem inclusas nisso, já que são joguetes das companhias que escolhem com quem vão se casar, e trocam elas de forma natural e aceita socialmente. Tudo em prol do conforto com subordinação cobrada. E sobre a ação na qual o filme é primordialmente conhecido, apostando nas tensões de Jonathan e seus companheiros de esporte. Nos colocando na curiosidade do que diabos vai acontecer adiante com as compulsórias transformações das regras. De cara isso já gera uma selvajaria criativa nos certames. Com a grosseria vista primordialmente, elevando o grau de barbaridade a cada partida disputada. Desde solavancos corporais ferozes (independentemente de que lado vierem) com pancadas na cabeça sem cerimônia à atropelos de motoqueiros. Tudo muito bem ajambrado pelo acurado trabalho sonoro – os sons graves das porradas coadunam com o crescimento de perigo e tensão do sangue jorrado – e montagem competente – que escolheu bem os pontos de corte mantendo a fluidez do jogo sem deixar que o mesmo se precipite nas repetições nas ações, e com um esquema decidido de trabalho em tensionamento crescente e orgânico a cada partida. Trabalho este em conluio criminoso com a direção (Norman Jewison) e a direção de fotografia (Douglas Slocombe) que souberam muito bem confrontar equipes de combatentes e diversificar movimentos dando um tom de pertencimento ao espaço ao pôr o espectador a par daquele destroçamento visceral. Isto posto, há de se comentar o estupendo trabalho dos dublês – chefiados pelo diretor de 2ª unidade e coordenador de dublês Max Kleven –, que literalmente se lascaram nas peripécias afim de dar um tom de realidade e virulência às partidas. Algo que impressionou o diretor (de conhecimento farto esta informação), que fez com que os colocassem, nos créditos do filme, algo que não era usual até e acabara por ser padronizado pela indústria dali em diante muito por conta de Rollerball.  

Antes de partirmos para os finalmentes deste texto é de arrocho citar o foda uso da música clássica do Bach Toccata e Fuga em Ré Menor, BWV 565 (Toccata und Fuge d-Moll BWV 565, 1703-1707) – sob a batuta do maestro André Previn (conheça um poucoi de sua trajetória aqui, falecido em 2019 aos 89 anosem comando da Orquestra Sinfônica de Londres (The London Symphony Orchestra), material este que já havia se firmado no cinema como tema de filmes de terror tais quais O Médico e o Monstro (Dr. Jekyll and Mr. Hyde, 1931), O Gato Preto (Black Cat, The, 1934) e O Fantasma da Ópera (Phantom of the Opera, The, 1962). Música esta que opera muito bem quando usada para mediar enfrentamento entre figuras ambíguas tais quais Mr. Jekyll/Mr. Hyde e O Fantasma da Ópera, que escondem segredos obtusos e passam por convulsões mentais. Nisso ela entra para compor o nascedouro de Rollerball e acaba por gerar um encaixe perfeito com a personalidade em choque de Jonathan E., que parte para o embate com gosto, regado pela explosão de seus conflitos internos. A corroborar com este momento derradeiro da última partida, temos mais um plano que demonstra a sagacidade de Norman Jewison, já que ele põe Jonathan E. sozinho a percorrer o corredor (o que antecede a entrada dos atletas na quadra) escuro com luz vermelha ao fundo e na frente, montando um quadro de solidão tanto por escolha do protagonista quanto por obsessão de comando da Energy em isolá-lo. A solitude de Jonathan E. também é sintomática no tratamento dados aos personagens secundários, que recebem informações dele sobre a tentativa de aposentá-lo e sua nova busca por informações outras, mas eles simplesmente fogem dessas responsabilidades por quererem distância para não perderem os privilégios adquiridos. Para fundamentar esse caráter solitário a escolha do James Caan para o papel foi sensacional. Ele demonstra o perfil exato para lidar com as idiossincrasias e dialéticas entre começar como um mestre do jogo e se metamorfosear numa jornada de autodescoberta até explodir em revolução ao término. O crescer de sua intempestividade direcionada e justificada, além de bem conduzida pela direção, é demonstrada com garra e grosseria por Caan.

O jogo e o público. Derradeiramente o material finaliza os conflitos entre a grande empresa Energy e o refuse-resist Jonathan E.. E a maneira que tudo vai se encaixando em progressão é sensacional. Num destaque para o trabalho de montagem, onde as escolhas dos planos (da já excelente fotografia) tem uma desenvoltura tanto orgânica quanto decidida, na qual vai expandindo os limites de tensão. Aproxima os planos em closes dos personagens e da torcida enquanto diminui-se a trilha. O som das pancadas e morticínio feraz tem seu espaço aqui. O macro e o micro conurbam-se. A luta pessoal do protagonista encontra salvaguarda e gritaria no público. A interação feita pela montagem aqui é o grande truque catártico deste encerramento. Não há conciliação. Só embate. O jogo agora totalmente regrado para a destruição carnal frenética vai se avolumando na contagem de corpos, até sobrar uma só figura. A resistência frente ao desmando. O final em silêncio. Sons de resquícios de pancadaria, rangeres e deslizes dos patins de Jonathan E.. Sangrando, estraçalhado, sozinho, em abandono ele se ergue, com raiva e orgulho. E gritam seu nome. Ele olha pra câmera irascível. Renitente e absurdo. A desobediência como fato incólume da liberdade.  E sibila.

Comentários (0)

Faça login para comentar.