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Plano 9 do Espaço Sideral

(Plan 9 From Outer Space, 1959)
4,5
Média
99 votos
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Sua nota

Críticas

Cineplayers

A Maravilhosa Canalhice dos Discos Voadores de Plástico

10,0

Cartas de Ida e Volta de uma Realidade Matério-Espacial Fuleiragem

Conversas de mim comigo mesmo, via operação de contraditórios

Bela Lugosi em Plano 9 do Espaço Sideral (Plan 9 From Outer Space, 1959) Foto: Divulgação. Valiant Pictures
Bela Lugosi em Plano 9 do Espaço Sideral (Plan 9 From Outer Space, 1959) Foto: Divulgação. Valiant Pictures

CARTA 001
Ted Araujo
Fortaleza/CE, 29 de fevereiro de 2024

Prezado sujeito em primeira pessoa,
Bicho, presenciei remotamente uma parada – mais conhecida como assistir a um filme – que me fez refletir sobre o quão o tesão pelo cinema pode sobrepujar dificuldades escrotas. A nossa percepção viciada (e viciosa) normalmente nos compele a buscar contemplação no belo, naquilo que a arte cinematográfica pode nos disponibilizar. Dentro de determinadas estratégias e limites estéticos aceitáveis. O que eu penso disso? É uma merda. Temos a mania do encaixotamento. Nós criaturas humanas. Onde este ou aquele filme se encaixam, simplesmente para satisfazer a nossa volúpia de eterno conforto. A cada ano que passa as coisas do cinema natural-mornamente esquisitas ficam (?) em proporção parecida naquilo que tradicionalmente é mantido. Ou então quando a evolução tecnológica nos impele um crescimento na marra. Tudo é descartável? Mas o tradicionalismo dalgumas convenções se mantém. EU GOSTO DE FILME RUIM. E filme ruim bom é aquele mal ajambrado, com intenções duvidosamente boas. Avesso a frescuras e cheio de excitação por existir. Pra que uma câmera 6K para um filme estragado? Pra deixá-lo pior. Sem cosmética da fome. Melhores equipamentos para todos, porém, não exijamos de outrem um avanço peremptório sem respeitar a realidade material idiossincrática dos sujeitos. Afinal é diante dessa assertiva que o mesmo pode conseguir encabeçar determinado projeto, e esta é uma maneira acertada de manter uma análise mais coerente.

Plano 9 do Espaço Sideral. 1959. Do Ed Wood. Assistiu? A minha intervenção escrita é sobre este negócio. Lotado de paixão, independentemente de suas condicionantes estapafúrdias de falta de orçamento. Uma epistemologia esculhambatória. De sua narração cafona e desesperada (para plantar um sentido na trama). Efeitos especiais raquíticos. Cortes grosseiros. Planos repetidos. Atuações avulsas. E pra fazer, se precisava de grandes investimentos? Mas valia tentar. A lascívia por cinema pode suplantar inúmeras deficiências em prol de uma catarse de riso esquizofrênico. Como discos voadores de plástico perambulando a cidade numa péssima entreposição de imagens. As filmadas por Ed Wood (discos de brinquedo) e outras imagens de arquivos vagabundas provavelmente surrupiadas de algum banco imagético esquecido dalgum estúdio. A vontade de fazer é maior que a adequação qualitativa socialmente ensejada (e esperada).

Se há um filme inclassificável por sua putaria em diegese e extradiegese – a produção foi o mais absoluto caos além de liseira –, é esse.  É uma junção dos estertores do talento de um moribundo monstro tal qual Bela Lugosi, a uma maçaroca de elementos do cinema fantástico, que abraça aliens, mortos-vivos, discos voadores de plástico e monstruosidades. Tão abusadamente farsesco que nos maravilha exatamente por isso. Em sua inconsequente farsa não-proposital (incrivelmente). Tão avacalhado que este é um dos exemplos onde nada mais importa além do destino daquilo tudo. Assista meu patrão.

CARTA 002 (resposta 001)
Rafael Nogueira
Fortaleza/CE, 28 de fevereiro de 2023

Quanta perda de tempo seu animal,
Sinceramente, porque diabos eu caio na tua? Me perturba pra que eu venha a assistir a uma excrescência dessas. Um filme fuleiragem, amador, mal feito e o escambau. E ainda enrola boa parte do texto para justificar aquela marmota. É um subterfúgio seu. Um simulacro de isenção pra gostar de porcaria. Deixa de enrolar. Esse filme é inclassificável por que? Por ter uma estrutura precária? Por não conseguir manter diálogos decentes (péssimos no talo)? Por ter cortes sem sentido dramático? Por ter o microfone aparecendo? Por erros de iluminação vesgos? Por ter uma montagem sem o menor sentido? Por ter movimentos de câmera atrasados? Ou alguma outra questão? É um filme de estúdio com pouca grana e feito por amadores. E eu ainda caí na sua assistindo este negócio. O que tem ali é deficiência de execução, temos que promover esta versão dos fatos. Uma versão da verdade. A falta de tarimbo não é desculpa, é discurso. A classificação dele é pela fraqueza. Ponto. Vi, infelizmente.

Um dos discos voadores em Plano 9 do Espaço Sideral (Plan 9 From Outer Space, 1959) Foto: Divulgação. Valiant Pictures
Um dos discos voadores em Plano 9 do Espaço Sideral (Plan 9 From Outer Space, 1959) Foto: Divulgação. Valiant Pictures

CARTA 003
Ted Araujo
Fortaleza/CE, 27 de fevereiro de 2022

Calma cidadão,
Vossa criatura está tenazmente impactada pelo filme trash Plano 9. Para ter dado tanta atenção aos erros maravilhas do filme. E eu creio que em sua ânsia tergiversadora de revolta e esculhambo, esquecera minha afirmação na carta anterior: “EU GOSTO DE FILME RUIM”. Eu justifico o gostar, mas não o nego. O que é o ruim? E o mal feito? São as convenções do que conhecemos (e aceitamos como bom cinema) que nos encarceraram. Podemos encontrar méritos – mesmo que acidentais – no considerado deficitário. Pela via sensorial. A repercussão do que tradicionalmente não funciona, mas que ainda assim gera memórias futuras. A panorâmica de um carro na estrada CORTA/PARA uma nave voando no espaço CORTA/PARA outros dois carros, FADE para um carro parado (com visível fundo falso como céu, logicamente). E porque citei estes cortes? Mesmo desconexos esses vacilos ficam na minha mente. Como você explica isso? Como?

PS: A sistemática do erro me é interessante. O vacilo considerado é por disposições pré-estabelecidas sócio e culturalmente, mas quando estes mesmos lapsos passam mensagens interessantes – como o dublê do Bela Lugosi (o ator morrera durante a produção e fora substituído por sujeito altamente diferente fisicamente) – que podem ser demonstrados como canalhices de produção ao mesmo tempo que uma vontade de sobrevivência?

CARTA 004 (resposta 002)
Rafael Nogueira
Fortaleza/CE, 26 de fevereiro de 2021

Impactado? Aí dentro. Estou impressionado com e sem número de gargalhadas que este filme traz, e talvez por isso seja lembrado. Não é culpar as sinapses do cérebro como sombra para o Sol de bizarrices desse filme, ou do que tu escreveste. Você é cheio de conversa. Demagogicamente usa a palavra RUIM quando quer ser condescendente com estes tipinhos de filmes descabidos. Quer é me perturbar com isso. Eu lembro do filme mais pelo que tu me encheu. Mesmo ele me fazendo rir por si só. Somado à raiva. Sei lá bicho. Como vou saber?

PS: Erro é erro.

Maila Nurmi e Tor Johnson em Plano 9 do Espaço Sideral (Plan 9 From Outer Space, 1959) Foto: Divulgação. Valiant Pictures
Maila Nurmi e Tor Johnson em Plano 9 do Espaço Sideral (Plan 9 From Outer Space, 1959) Foto: Divulgação. Valiant Pictures

CARTA 005
Ted Araujo
Fortaleza/CE, 25 de fevereiro de 2020

Perceba.
Perceba que o abalo foi gerado em vossa criatura, fora pelo riso. Pelo sarro. Pela farra. Não pela indiferença (esta é a morte do filme). Estás com raiva por ter se divertido? Esta contradição é forçada ou forçosa? É o cinema do erro apelando para a sua vontade. Como se não houvessem consequências permissivas. E porque filmes descabidos não podem ter o seu valor?

CARTA 006 (resposta 003)
Rafael Nogueira
Fortaleza/CE, 24 de fevereiro de 2019

De fato, vou concordar - não com suas perguntinhas viçosas, que já me encheu o saco de respondê-las, mas sobre o interesse que essa jossa pode vir a causar ao longe. É uma marmota divertida, mas não obstante uma marmota assim mesmo. O ordinário de materiais desta envergadura temática escapa deste filme por suas deficiências técnicas. Um ruim. Mas um péssimo lembrável. Satisfeito?

CARTA 007
Ted Araujo
Fortaleza/CE, 23 de fevereiro de 2018

Satisfeitos. Você e eu.
Fugir do ordinário (mesmo que acidentalmente da forma mais escusa) já é atestado intrigante. Peba. O termo é usado por mim como provocação adjetiva aceita para assumir o contraditório como essencial para a condição de cinema como permanência. Os desacertos apaixonados podem valer mais do que acertos sem tesão (valem). O que é errado acaba por acertar por entendermos que o citado tesão (por cinema) se corrobora também pelas falhas. Permanece pela vontade. E é a essa vontade que dedico a minha concupiscência ao cinema.

CARTA 008 (resposta 004)
Rafael Nogueira
Fortaleza/CE, 24 de fevereiro de 2017

Aí dentro.
Me diverti, assumo. Mas mesmo assim, aí dentro. Cheio de conversa. E tesão com cinema? Tenho por escorregadas grosseiras? Por troços sem consciência da desgraça que a si mesmos representam? É o óbito dos filmes. Lembrável pelo seu suicídio estético. Estraçalho avacalhador por inconsciência coletiva besteirônica dos envolvidos. Próximo.

Tom Mason, o dublê de Bela Lugosi em Plano 9 do Espaço Sideral (Plan 9 From Outer Space, 1959) Foto: Divulgação. Valiant Pictures
Tom Mason, o dublê de Bela Lugosi em Plano 9 do Espaço Sideral (Plan 9 From Outer Space, 1959) Foto: Divulgação. Valiant Pictures

Ted Rafael Araujo Nogueira - Juntoso e encaixado
O pós-farra das cartas antagônicas.

Plano 9 do Espaço Sideral (Plan 9 From Outer Space, 1959) tem em sua criação um combo de interesses que se somam desde o processo problemático e precário de sua feitura ao volúpia de Ed Wood pelo cinema. Isso imbrica na incapacidade tácita de sua produção em se provar competente pelos meios tradicionais em aspectos formais da construção narrativa aos técnicos na formatação física desse negócio. Mas a empolgação de Wood para com esse trabalho subversivamente informalizado é tácita a todo momento. A seriedade implicada ao que rola na tela e como isso causa um riso involuntário me mostrou um total comprometimento do diretor com a ruindade sem anuncia-la como piada, mas como inépcia e reflexo de condição material. Se fosse pior (é possível?), ainda veríamos. Amor ao cinema em prateado.

Ed era mais um maluco que ousava contar suas estórias independentemente de formalismos, industrialismos, academicismos e outros tantos ismos que encalacram cineastas diversos num vício por classificacionismos (outro ismo) pequeno-burgueses. Mas prestem atenção, a minha assertiva aqui não é por esculachar as diversas convenções do cinema, mas, sim escrotizar as condicionantes que apostam somente nas fórmulas, convencionalismos e academias como unívocas de aceitação. Existem outras formas de se filmar cinema. O desejo tesudo, se bem perceptível, pode suplantar a falta de refino (e tino em geral) de uma fita. E noutros casos porra nenhuma. Depende de que tipo de análise cada obra será assim submetida. No caso em questão temos uma trama torta, cheia de buracos e encaixes sebosos, que demonstram mais um carinho absorto na vontade de subsistir do que somente pela precariedade de sua feitura.

Uma leitura que faço é mais sobre o significado bagaceiro de suas imagens e a libido fílmica dos envolvidos do que classificar o Ed Wood como péssimo cineasta se embrulhado nas prescrições do cinema em conservação da época (antes, durante e depois também). Ah sob esse prisma aí, o velho Ed é pereba pra caralho. Abissalmente bizarro em suas escolhas e resoluções de problemas, onde num dicionário de cinema qualquer ele faria um checklist severo no errar dos mais variados verbetes. Erro era com ele mesmo. Me interessa mais a perspectiva do cineasta. Da mensagem do que diabos ele queria passar com aquilo. Que tipo de entretenimento ele visava. Meter vários núcleos numa narrativa tresloucada e com eles expor ideias desconjuntadas que se encaixassem na marra, por conta de necessidades de produção, como o uso de cena de filmes outros metidas por aqui, entre outras putarias. A mensagem primordial do Ed pode ser apreciada como a que todo cineasta deve ter: A de querer ser visto. Fazer o que ama e conseguir sobreviver disso. Se libertar de amaras estéticas e morais para não só libertar seus filmes, mas a si mesmo – afinal Wood tinha uma inclinação drag e sentia-se confortável vestindo-se de mulher. O fez inclusive em seu filme Glen or Glenda (Glen or Glenda, 1953). Seus filmes entravam nessa figuração de lutar para existirem. O diferente querendo espaço. Organicamente se agarra ao perdurar óbvio do próprio Ed.

Esse é um sujeito que tão acanalhado fora por gerações, que merece uma revisitada. Muito disso fora animado pela insistência de muitos em rotulá-lo como pior cineasta de todos os tempos ou então na homenagem ápice feita a ele no espetacular Ed Wood (Ed Wood, 1994), de Tim Burton, que presta reverência a (in)capacidade de Wood enquanto mostra que o seu tesão pelo cinema teria como suplantar em algum momento a fanfarronice miserável considerada em seus filmes. Vamos chegar mais junto em marmotas como estas. O ruim pode conversar tão bem quanto o moralmente aceitável. E o moralismo artístico pelo formal, obviamente, de fato, é uma merda.

Dudley Manlove, Tor Johnson, John Breckinridge e Joanna Lee em Plano 9 do Espaço Sideral (Plan 9 From Outer Space, 1959) Foto: Divulgação. Valiant Pictures
Dudley Manlove, Tor Johnson, John Breckinridge e Joanna Lee em
Plano 9 do Espaço Sideral (Plan 9 From Outer Space, 1959). Foto: Divulgação. Valiant Pictures

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