O diretor deste longa, John Ridley, é um roteirista e oscarizado pelo trabalho em "12 anos de escravidão", e embora aqui esteja um pouco abaixo, ambos os filmes ele parte de um material biográfico. Em "Shirley", Ridley faz a excelente opção de se concentrar nas plenárias daquela que foi a primeira deputada negra dos EUA, mostrando os bastidores da pré-campanha no seio das contradições do partido democrata, e pondo a vida pessoal da retratada muito em segundo plano.
Assim, o filme começa já em uma velocidade espantosa, sem tempo para envolvimento, o que pode causar afastamento: sem narrar os feitos da política no Congresso, nós piscamos e já estamos vendo ela tentar concorrer ao maior cargo do Executivo da face da Terra, o que claramente prejudica na empatia.
Assim, o começo do filme é bem atropelado, mas havia um porquê: de fato, ao concentrar seu arsenal nas plenárias, o filme só vai crescendo em conteúdo e interesse, por mais didático que muitos diálogos sejam. Portanto, Ridley claramente faz uma escolha em simplificar os diálogos, muito diferente do que fizera em "12 anos" (não sei até que ponto é devido o público do streaming), mas o fato é que isso acaba contaminando as atuações, que não se sentem desafiadas.
No entanto, a riqueza em contar os bastidores, e mesmo sabendo que tudo isso é dentro de um único partido, como as disputas por delegados, o encontro com o líder dos Panteras Negras, a visita a um hospital de seu rival, são pontos que incrivelmente enriquecem a história e servem como momentos interessantes para revelar o pulso da homenageada.
Os sistemas eleitorais são estruturas que determinam como os votos são convertidos em representação política em uma democracia. Eles desempenham um papel crucial na forma como os governos são formados, como os partidos políticos são representados e como as preferências dos eleitores são refletidas nos órgãos legislativos e executivos. Claro que muitos contestadores apenas enxergam nessas estruturas as manutenções do privilégio burguês, de modo que "Shirley" tenta fazer a diferença de forma endógena ao sistema, sendo claramente mais uma reformista (e necessária).
Para quem acha que a questão das identidades é coisa do século XXI, é porque não estudou direito o que a década de 1960 representou para as minorias, assim, o filme narra um ano de 1972 marcado por tensões identitárias, com muito do feminismo e do movimento negro atual sendo retratados ali, mais de 50 anos antes. Interessante resgate, ao mesmo tempo que as falas podem soar quase anacrônicas certos momentos, já que o filme faz pouco uso do audiovisual da época.
Nos Estados Unidos, o sistema de delegados para o Executivo refere-se ao processo de eleição do Presidente e do Vice-Presidente através do Colégio Eleitoral. Este sistema é estabelecido pela Constituição dos Estados Unidos e é único em comparação com muitos outros sistemas eleitorais ao redor do mundo.
Então, concentrando nesse momento de escolha do representante que irá tentar combater o Nixon, Shirley, claro, sofrerá uma série de barreiras, mas em especial suas escolhas políticas duvidosas e seu posicionamento firme perante temas complexos (ela tecia severas críticas aos ônibus inclusivos, por exemplo, por achar que eles aumentavam o risco de integridade às pessoas negras).
Com isso temos um filme que claramente sabe o que quer contar, e por mais que se permita momentos piegas, tem um arsenal sólido de questões relevantes, muito próximo ao que "Lincoln" do Spielberg apresentou, mas de forma bem mais palatável à audiência da Netflix. É um bom filme, que demora a engrenar, mas que, após isso, se permite até mesmo uma edição mais esperta, melhorando paulatinamente no ritmo. Vale muito conferir.
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